07 fevereiro 2006

ingenuidade e tragédia

O princípio da igualdade dos Estados na comunidade internacional tem pautado as relações internacionais nas últimas décadas, e permitido graves atropelos aos mais elementares direitos humanos.
Efectivamente, os Estados não são todos iguais e pretender tornar igual o que é diferente é um erro crasso, com consequências imprevisíveis a este nível. Na verdade, há Estados que respeitam a liberdade de expressão e outros não; há Estados onde existe liberdade política e noutros não; há Estados que reconhecem a igualdade dos sexos e outros não; há Estados que são ditaduras e outros não; há Estados que são laicos e outros não; há Estados que respeitam a propriedade privada e outros não; há Estados com instituições credíveis e respeitáveis e outros não; há Estados que tiranizam os seus povos e outros não.
Por isso, esta imensa cautela ocidental em lidar com Estados terroristas ou que são dominados por fanáticos e ditadores, como se fossem dirigidos por gente respeitável em quem se pode confiar, é, mais do que um absurdo provocado por traumas civilizacionais e ideológicos, uma negligência grosseira e perigosa. No tempo em que vivemos, as consequências de tamanha ingenuidade podem ser irreversíveis para o mundo livre. Ainda em plena guerra fria, Raymond Aron advertia que «les fanatiques ne manquent pas qui mettent la victoire de leur idéologie au-dessus de tout» («Paix et guerre entre les nations»). Parece que os países democráticos se têm esquecido disso nos últimos tempos. Como não ocorreu, em 1938, a Neville Chamberlain que as intenções de Hitler não fossem as melhores. De tal modo, que assinou com ele um célebre acordo de paz, o Acordo de Munique, em 29 de Setembro daquele ano. Poucos meses mais tarde, a 1 de Setembro de 1939, a Wehrmacht invadia a Polónia e, algum tempo depois, as bombas nazis caiam sobre Londres.

7 comentários:

RS disse...

Não se trata de ingenuidade, mas de oportunismo e hipocrisia. Se Chamberlain quis ver em Hitler um anjinho, nenhum governo europeu e muito menos o norte-americano vê em tiranos actuais grandes estadistas ou "humanitários" (como foi o caso de Saddam Hussein). Eles foram, são e continuarão a ser o garante da estabilidade no médio e extremo Oriente. A alternativa é a democracia. E ninguém, no "Ocidente", tem pachorra para a democracia nessas partes do mundo.

(Também podia falar do empurrãozinho dado pelos EUA a Saddam Hussein quando da invasão do Kuwait... Algum tempo antes, ele e D. Rumsfeld eram "best buddies", mas não neste espaço.)

Anónimo disse...

Deixe-me repetir uma vez mais:

"Strange it is, that men should admit the validity of the arguments for free discussion, but object to their being 'pushed to an extreme'; not seeing that unless the reasons are good for an extreme case, they are not good for any case."

J Stuart Mill, "On Liberty"

Anónimo disse...

Muito obrigado, caro Anonymous, mas, de facto, o Stuart Mill não faz parte dos meus «autores de cabeceira». Prefiro outros.

RAF disse...

Caro Rui,

E que ilações e consequências retiras do teu post?

Anónimo disse...

Que o direito internacional público vigente é um perigo para a Humanidade, caro RAF.

JLP disse...

" O princípio da igualdade dos Estados na comunidade internacional tem pautado as relações internacionais nas últimas décadas, e permitido graves atropelos aos mais elementares direitos humanos."

Será? Não terá sido sim a prática sucessiva de ingerência de uns estados sobre os outros, dando origem a ciclos intermináveis de represálias e contra-represálias, o que tem minado o essencial da política internacional no século que passou e no que vai avançando?

O facto de alguns estados se arrogarem de sopramacia moral sobre os outros, distribuída por critérios pouco definidos, tem sido sim, quanto a mim, a fonte de grande parte dos conflitos internos e entre estados no Mundo. Quem é que tem a legitimidade para dizer que uns são bons e outros são maus?

O direito internacional, quanto a mim, só tem experanças de perdurar enquanto mecanismo regulador entre os estados, e não o veículo de afirmação moral ou outra de uns estados sobre outros.

As atrocidades aos olhos de alguns, a falta de Democracia e de Liberdade, os problemas que refere de igualdade dos sexos, ditaduras, falta de laicidade dos estados, respeito da propriedade privada e tiranias sobre os seus povos, enquanto problemas restritos às fronteiras de um país, deverão ser resolvidos e ultrapassados pelo próprio povo desse país.

Quanto a mim, só esta atitude e não a de intentar pela ingerência que acaba a maioria das vezes por não ser compreendida até pelos supostos beneficiários desta, e semente de futura vingança, poderá levar a uma coexistência internacional pacífica dos povos.

(Também já tive oportunidade de responder ao seu comentário no meu blog)

Abraço,

JLP

Anónimo disse...

Enjoyed a lot! » »