28 novembro 2005

crucifixos e «interesse público»

É sempre agradável constatarmos que, por vezes, aquilo que escrevemos origina reacções deste calibre.
Ignorando a forma e fazendo um certo esforço para tentar chegar à substância, o que aqui encontramos é o estafado argumento de que o «interesse público» deve prevalecer sobre os «interesses privados», de modo a proteger o que é de todos e que não poderá ser de ninguém em particular. No caso concreto, o direito à livre formação intelectual, moral e religiosa, que os «sinistros» crucifixos afixados nas paredes das escolas públicas ameaçariam.
Sucede que a pergunta a este tipo de argumentação é, também, sempre a mesma: em que consiste, afinal, essa coisa do «interesse público».
A resposta deu-a, há já alguns anos, Alexandre Herculano, insuspeito de qualquer vocação clerical: a sociedade é «uma criação do indivíduo, que a precedeu, que lhe estampou o seu selo, porque faça ela o que fizer, nunca poderá manifestar a sua existência senão por actos individuais, unidos ou separados. O colectivo nessas manifestações não passa de uma concepção subjectiva: não existe no mundo real» (Cartas, I, pp. 241-242).
Ou seja e por outras palavras: o interesse público deve traduzir-se na defesa dos direitos individuais e não em abstracções totalitárias de valores e objectivos colectivos, que não existem e são sempre fundamento dos totalitarismos e de intervenções arbitrárias do poder político.
No caso vertente das escolas públicas e dos crucifixos, a hipótese de um conselho directivo de uma escola, eventualmente apoiado num parecer de uma comissão de pais, tomar a decisão de manter um crucifixo numa sala de aulas, não torna o Estado português clerical, nem ofende nenhum interesse público. Pelo contrário, preserva este último, ao garantir àqueles cidadãos a concretização de uma liberdade que, citando novamente Herculano, «não perturba ou tolhe os direitos e acção de outrem ou dos outros» (Cartas, I, p. 213).

2 comentários:

VR disse...

Covido-os a ler, entre outras coisas interessantes (e picantes) o texto:

Lista das Oito Centenas de Milhar de Cidadãos a "Expropriar" pelo Estado, Onde Devem Estar Algumas Dezenas que até Mereciam

disponível no meu blog ORTOGAL

www.oortogal.blogspot.com

Saudações bloguísticas ao Portugal Contemporâneo, que muito aprecio.

Valdemar Rodrigues

André Azevedo Alves disse...

Estou a ver que o Rui nao e' "Por uma Política com crédito !"

:-)