28 novembro 2005

liberalismo e laicidade - ii

A fim de evitar alguns equívocos, parece-me útil proceder aos seguintes «acrescentos» em relação ao meu primeiro «post» sobre este tema:

1. Quando, em 1910, se proclamou a República, estava em vigor a Carta Constitucional de 1826 que, no seu artigo 6º, dizia o seguinte: «A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Reino. Todas as outras Religiões serão permitidas aos Estrangeiros com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo».

2. Nesta altura, o Estado português declarava-se Católico Apostólico Romano, embora «tolerasse» as outras Religiões aos estrangeiros. Foi, por conseguinte, necessário torná-lo laico, isto é, neutro em relação a todas as religiões, porque ele tomava partido por uma. Foi o que se fez, nomeadamente com Constituição de 1911.

3. Actualmente, o Estado português já é laico há muito tempo. O que se pretende agora, segundo parece, é tornar a «laicidade» como religião oficial do Estado e impô-la indistintamente aos cidadãos, não tomando em consideração as suas opções pessoais, isto é, a sua liberdade.

4. Um Estado Liberal (daqueles que os liberais devem gostar), não deve ter directórios centralizados em ministérios ou noutra coisa qualquer, que imponham aos cidadãos medidas únicas e uniformes. A realidade é plural e, num Estado Liberal, essa pluralidade deve ser respeitada.

5. Um Estado liberal admitirá, como razoável, que os seus símbolos sejam afixados nos locais que lhe pertencem. Tomar atitudes de exclusão não é afirmar um Estado Liberal, mas um Estado dirigista e «ideologizado».

6. Num Estado Liberal não deve existir um organismo que centralize a direcção das escolas, sejam elas de ensino primário, secundário ou superior, que lhes imponha se as paredes das salas de aulas devem ser brancas, amarelas ou azuis.

7. Num Estado Liberal, onde o poder se deve exercer de forma desconcentrada em regiões ou Estados federados, as competências sobre o ensino nunca estão no poder central.

8. Num Estado Liberal, a gestão das escolas e a sua inserção nas comunidades onde funcionam, deve obedecer ao princípio da subsidiariedade. As decisões sobre o seu funcionamento e a forma como se ligam aos cidadãos a que se dirigem, devem ser locais, autónomas do poder central e tomadas pelos cidadãos que estão mais próximos dessas instituições: entidades representativas dos alunos e dos pais, órgãos académicos localmente eleitos e não nomeados pelo poder central, etc.

9. Tudo o mais é centralismo, planificação e socialismo. Trate-se de crucifixos ou de outra coisa qualquer.

7 comentários:

zazie disse...

é por estas e por outras que foi uma enorme perda para o Blasfémias a tua saída.

Anónimo disse...

Corroboro o que disse a Zazie,mas ressalvo uma coisa. O nosso estado não é liberal. Por estas e por outras.

rui a. disse...

Olhem que não, olhem que não... De qualquer modo, obrigado pela atenção.

André Azevedo Alves disse...

Mais um excelente texto.

Luís Aguiar Santos disse...

Antes de 1910 não se toleravam outras religiões apenas aos estrangeiros. Também os portugueses tinham liberdade de culto e, graças às outras liberdades civis existentes (de associação nomeadamente), podiam organizar-se em grupos religiosos diferenciados. Existiam igrejas protestantes de portas abertas, com escolas e jornais. Portugal não precisava na altura da laicidade que a República trouxe, bastaria ter consolidado juridicamente a tolerância já praticada em relação às minorias religiosas (que, por exemplo, já tinham direito ao registo civil integral desde 1878), como se fez no Reino Unido, onde a ampla tolerância convive com um estado confessional bem melhor do que em França com um estado laico (aliás, por cá, em 1910, a laicidade foi um retrocesso que levou, por exemplo, ao encerramento das escolas protestantes).

Bruno Gouveia Gonçalves disse...

Parabéns pelo excelente post.

Anónimo disse...

Só duas observações: 1) Portugal não é um Estado laico, continua a vigorar a concordata com a Igreja Católica, que já data de antes da revolução de 1974, a qual concede a essa instituição privilégios inegáveis sobre outras instituições religiosas; daí se infere que foi na prática mantido o status quo anterior a 1911, que adoptava uma religião do Estado e tolerava as outras. 2) No ponto 5 o articulista afirma que os símbolos do Estado devem poder ser afixados onde bem se entender; ora, o crucifixo nunca foi símbolo do Estado português, se o fosse isso equivaleria a afirmar que o Estado é abertamente religioso e opta manifestamente por uma religião, em violação do disposto em vários artigos da Constituição. Parece-me que o articulista não compreendeu bem o significado do vocábulo laico, que tanto parece querer defender: "laico" significa independente de qualquer religião, e é isso que Portugal deveria ser para sair definitivamente da Idade Média; se a população opta, apesar da laicidade do Estado, por seguir uma confissão religiosa, é um direito que lhe assiste, mas apenas na esfera privada e contanto que o exercício do mesmo direito não importe em prejuízo para os seus condidadãos. Colocar um crucifixo numa sala de aulas é muito mais do que tolerar uma religião com laços históricos com Portugal: é condicionar as crianças que se encontrem nessa sala de aula para aceitarem a presença do crucifixo e impor-lhes uma série de símbolos como devendo fazer parte da sua identidade, sem atender às suas concepções pessoais. Em suma, é a negação pura e simples do espírito liberal.