26 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (56)

 (Continuação daqui

Fonte: cf. aqui


56. Aquele deputado único do Chega


É altura de perguntar qual a relação entre os jagunços da Cuatrecasas, ao serviço do PSD que deram origem a este processo judicial, e o Chega.

A questão importante é a seguinte: Será que os jagunços da Cuatrecasas, ao serviço do PSD, conseguiram impedir a obra do Joãozinho e entregá-la aos amigos do PSD?

A resposta é Sim. Conseguiram.

Para explicar é necessário recuar a 2019 quando uma série de acontecimentos fizeram convergir  os jagunços da Cuatrecasas, ao serviço do PSD, e o Chega, que acabara de nascer.

Em Outubro desse ano, eu estava condenado pelo Tribunal da Relação do Porto havia seis meses e a obra do Joãozinho estava parada há quase quatro anos porque o Hospital de S. João, a mando do governo da geringonça, não desimpedia as velhas instalações - que eram para ser demolidas -, onde funcionava o Serviço de Sangue. Desde que a obra tinha sido interrompida em Janeiro de 2016, que a Associação Joãozinho mantinha o estaleiro da obra no local, à espera que o espaço fosse desimpedido.

Nesse mesmo mês, realizaram-se eleições legislativas, que elegeram um único deputado por um novo partido, o qual prometia acabar com a corrupção do "sistema", significando com isso o arranjo institucional entre o PS e o PSD que durava há cerca de quarenta anos, desde a estabilização do sistema democrático no país

Entretanto, sem nunca falar com a Associação Joãozinho, e sem querer saber do Protocolo assinado entre o Hospital de S. João, a Associação Joãozinho e o consórcio de construtoras Lucios-Somague, o governo da geringonça fez aprovar na Assembleia da República uma decisão segundo a qual seria o Estado a fazer a obra, e que a sua adjudicação seria por ajuste directo.

Nos termos desse Protocolo, o HSJ cedia à Associação uma parcela de terreno pelo período de três anos (renovável por períodos de um ano) para que a Associação aí fizesse a obra. Ora, em Dezembro de 2019, a Associação Joãozinho recebeu uma carta assinada pela Administração  do HSJ, mas obviamente redigida pelos advogados da Cuatrecasas que, no essencial, dizia assim : "Como tinham passado os três anos de cedência do espaço e a Associação Joãozinho não tinha feito a obra, então, que se pusesse a andar dali para fora, sob pena de ser posta em tribunal".

Eu vou repetir porque, para as pessoas decentes, às vezes é difícil entender a linguagem e os modos de raciocínio da criminalidade legal. O HSJ nunca libertou o espaço para que a obra pudesse ser realizada e invocava agora o esgotamento do prazo para pôr a Associação dali para fora, sob ameaça de ainda ter de responder em tribunal.

Naquele dia em que recebi a carta do HSJ, aquele deputado único do Chega, que havia sido eleito há dois meses apenas, que esbracejava e gritava muito, prometendo acabar com a corrupção no país, e mais isto e mais aquilo, ganhou outra dimensão no meu espírito. No meio da escuridão, era uma luz.

Aquilo que viria a seguir seria, talvez, a maior farsa de adjudicação de uma obra pública alguma vez feita no país mas que comprovava que os jagunços da Cuatrecasas, com o Paulo Rangel à frente, tinham cumprido a sua missão - impedir o avanço da obra por via mecenática, e levá-la para mãos amigas do PSD, sabe-se lá a troco de quê.

Foi assim:

O PS e o PSD governam o país há mais de 40 anos e repartem entre os dois o poder político e os privilégios económicos que o poder traz consigo. Aos olhos de um economista, o mercado político em Portugal é um duopólio em que os duopolistas PS e PSD usam uma estratégia típica desta condição de mercado conhecida como colusão  (acordos ou conluios explícitos e implícitos com vista a tirarem benefício para si próprios e prejudicarem terceiros).

Se fossem duas empresas a comportar-se assim, os seus responsáveis já estariam na cadeia por grossa violação das regras da concorrência que prejudica seriamente os consumidores, os quais, no mercado político são os cidadãos em geral e, no caso em apreço, sobretudo crianças, ainda por cima doentes.

Em lugar de se guerrearem permanentemente pela conquista de quota de mercado um ao outro - o que só resultaria em prejuízo para ambos - os duopolistas dividem o mercado entre si, de maneira que nenhum deles se mete no espaço do outro, e de tal sorte que cada um deles pode, assim, gozar tranquilamente da sua quota de mercado.

Na direção das principais instituições do Estado - CGD, Banco de Portugal, Tribunal Constitucional, etc. -  PS e  PSD alternam na presidência. No caso do Tribunal Constitucional, o mais alto tribunal do país, eles repartem ciosamente a instituição entre os dois. No mercado das obras públicas, cada um tem as suas "quintas". O Hospital de São João era na altura uma "quinta" do PSD.

Uma das razões por que as crianças doentes estiveram dez anos internadas em barracões metálicos foi porque demorou muito tempo - o período da troika contribuindo para isso - até que o PSD estivesse em condições de deitar a mão à obra e exercer os "seus direitos" na "sua própria quinta".

Tendo a Assembleia da República decidido que o Estado faria a obra por ajuste directo, para dar uma aparência de imparcialidade, a administração do HSJ decidiu nomear uma Comissão, presidida pelo Eng. Joaquim Poças Martins, que iria escolher a empresa à qual a obra seria adjudicada.

O Eng. Poças Martins era uma figura conhecida do PSD-Porto.  Foi secretário de Estado de um governo do Professor Cavaco Silva, vice-presidente da Câmara de V.N. Gaia quando a presidência pertencia ao social-democrata Luís Filipe Menezes. Nas autárquicas de 2016, chegou a ser falado como candidato à Câmara de Gaia pelo PSD.

Porém, a vida pública do Eng. Poças Martins tinha tomado outro rumo. Liderando uma lista afecta ao PSD, o Eng. Poças Martins concorreu a Bastonário da Ordem dos Engenheiros da Região Norte (OERN) e ganhou. Entre os membros da sua lista, estava um discreto engenheiro de Braga, chamado António Carlos Fernandes Rodrigues, que se tornou o representante do Bastonário Poças Martins naquele distrito.

Acontecia, porém, que o Eng. António Carlos Fernandes Rodrigues, além de ser o representante do Bastonário Poças Martins no distrito de Braga, também era presidente da Comissão Executiva de uma conhecida construtora sediada em Braga - a Casais. 

A primeira decisão que a Comissão do Eng. Poças Martins tomou foi a de convidar catorze empresas para participarem num mini-concurso onde praticamente todas as regras que normalmente presidem a um concurso público eram ignoradas. Cientes da farsa para que estavam a ser convidadas, dez das catorze empresas  nem sequer se deram ao trabalho de responder.

Ganhou a Casais.

A Associação Joãozinho tinha contratualizado a obra com o consórcio Lucios-Somague por 20,2 milhões de euros. O HSJ viria a contratualizá-la com a Casais por 26,7 milhões. Convém recordar que devido ao seu estatuto de opacidade, as sociedades de advogados, como a Cuatrecasas, são o  veículo ideal para cometer os crimes de branqueamento de capitais, fuga ao fisco e financiamento ilegal dos Partidos.

Cerca de dois anos depois, nas eleições legislativas de Janeiro de  2022, eu era o autor do Programa Económico e o Mandatário Nacional do Chega, que passou de um para doze deputados. Agora, já vai em sessenta.

(Continua acolá)

Sem comentários: