09 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (43)

 (Continuação daqui)

43.  A gratificar a Cuatrecasas

Em suma, eu fui condenado porque

(i) com base em afirmações que o juiz me atribuiu mas que eu nunca proferi,
(ii) pus em causa a relação de lealdade entre  advogados e os seus clientes,
(iii) algo que, tratando-se da Cuatrecasas, eu não tenho liberdade (de expressão) para fazer.

Deduz-se da sentença que, se fosse a Caixa Geral de Depósitos ou a TAP, eu teria sido absolvido.

Nunca a Cuatrecasas se queixou de eu ter posto em causa a sua relação de lealdade com o HSJ. Nunca o Ministério Público o fez, muito menos qualquer  dos advogados de acusação ou as testemunhas que, entre si, somavam uma dezena de advogados. Nunca nem ninguém.

Quem me estava a imputar o facto ilícito  - o de ter posto em causa a relação de lealdade entre advogados e os seus clientes -  era o próprio juiz, e dava-me a conhecê-lo  naquele preciso momento,  enquanto lia a sentença. E antes que eu pudesse sequer interiorizar a acusação, cerca de três minutos depois e umas quantas páginas adiante, já me anunciava a condenação por esse alegado ilícito.

Mas não apenas isso. Antes de proceder à leitura da sentença, o juiz, ao mesmo tempo que anunciava que iria proceder a uma alteração não-substancial dos factos, juntou à decisão, como prova do ilícito, um e-mail  que eu juntara ao processo em minha defesa e que agora era utilizado contra mim, ao abrigo de um artigo do Código do Processo Penal, que não me dava sequer a possibilidade de defesa.

E a tudo isto eu assisti de pé e calado, como é próprio de um réu que está a ouvir a sua sentença.

Quer dizer, eu fui condenado pelo crime de ofensas à Cuatrecasas por um ilícito de que ninguém se queixou - nem mesmo a Cuatrecasas - e com o qual nunca havia sido confrontado. Eu não fui condenado por nenhuma das queixas que me levaram a tribunal, fosse a queixa do Paulo Rangel, da qual o juiz me absolveu, fosse a queixa da Cuatrecasas, que o juiz deitou para o lixo e substituiu por outra da sua própria lavra.

Em suma, foi o juiz que, no acto de leitura da sentença, produziu a acusação, juntou a prova e procedeu à condenação sem que, no entretanto, eu tivesse sequer a possibilidade de abrir a boca para me defender. Um juiz que acusa, que junta a prova fornecida pelo próprio réu, e que decide sobre a sua própria acusação.

Eu fui condenado à maneira da Inquisição. 

Direitos humanos básicos foram espezinhados, como o meu direito à defesa e o meu direito à não-auto-incriminação, muito pior ainda do que aquele dos meus direitos que a condenação violava - o meu direito à liberdade de expressão.

Quando terminou a leitura da sentença, o juiz levantou a cabeça, olhou para mim e perguntou-me:

-Compreendeu?

Respondi que sim.

Tinha compreendido o essencial. Mas só quando saí cá para fora é que comecei a compreender tudo. Foi quando me lembrei de um episódio que ocorrera numa das sessões do julgamento, em que o juiz, num momento de maior descontração, deixou cair uma pequena nota autobiográfica.

E que nota autobiográfica era essa?

A de que, antes de ser juiz, tinha sido advogado e magistrado do Ministério Público. 

Compreendia-se agora o espírito corporativo que a sentença tão bem exibia em relação aos advogados. Compreendia-se também a condenação. O juiz já não estava no Ministério Público, que é a Inquisição dos tempos modernos, mas o Ministério Público é que ainda estava nele. Ambos a gratificar a Cuatrecasas.

(Continua acolá)

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