06 maio 2025

CUATRECASAS- Uma Máfia Legal (33)

 (Continuação daqui)



33. SLAPP

Ele pregava aos outros que, quando lhes dessem uma bofetada (em inglês, slap), eles oferecessem a outra face. Mas quando, durante o seu julgamento, fez menção de falar para se defender, um guarda deu-lhe uma bofetada, e ele não ofereceu a outra face. Protestou.

Este foi um dos episódios em que ele mostrou a sua dupla natureza, divina e humana, porque ele era ao mesmo tempo filho de Deus e de uma mulher. A lição é que os seres humanos são excelentes a ditar regras para os outros, mas têm uma grande dificuldade em aplicá-las a si próprios. Esta, aliás, foi uma das razões, na figura dos fariseus, por que ele se revoltou contra a sua própria religião judaica.

O cristianismo é a única religião em que Deus é ao mesmo tempo um homem e esta é a razão principal da grandiosidade de civilização cristã. Se Cristo fazia milagres, e era um homem, então qualquer homem os podia fazer. E, de facto, não faltaram milagres nesta civilização. 

Qualquer homem ou mulher que nascido sob a aura do cristianismo está equipado espiritualmente para conseguir as coisas mais extraordinárias na vida, para tornar possível o mais improvável dos impossíveis, aquilo que noutras religiões só é acessível a Deus. A razão é que nesta civilização um homem também é Deus.

Se alguém, do tempo de Cristo, voltasse a este mundo, iria morrer de espanto ao ver um  avião, um automóvel, uma expedição à lua, um telemóvel, a internet, a electricidade, um medicamento que cura doenças outrora mortais, uma cirurgia ao coração, uma carta de direitos humanos. São tudo milagres da civilização cristã porque, se Cristo era homem e podia fazer milagres, qualquer homem nascido no cristianismo  podia fazer milagres também. E fez.

Cristo popularizou o judaísmo, transformou uma religião de elite numa religião popular, e de uma religião centrada em regras (literalmente, uma Religião de Direito) ele fez uma religião centrada em pessoas, de que ele viria a tornar-se a figura principal e paradigmática. 

Uma das grandezas do cristianismo  é que é possível encontrar nele inspiração para todas as situações da vida, e a situação que eu estava a viver não era excepção. Cristo também foi alvo de um processo SLAPP (Strategic Lawsuit Against Public Participation), um processo que tinha no centro a figura penal da difamação, e que visava calar um homem que ousara pôr em causa os poderes estabelecidos. Ele foi pronunciado e condenado por blasfémia que é a difamação de Deus. Eu também fui pronunciado e acabei condenado por difamação. Esta era a primeira semelhança que me inspirava, mas não era a única.

Eu estava a passar por aquilo que ele próprio passou. E se ele tinha conseguido aguentar tudo, então eu, que sou homem como ele, também iria conseguir. Fortitude era a palavra de ordem, para além de determinação e persistência, três das principais qualidades de um capricorniano como ele, e que eu também sou. 

No caso dele, todas as regras do processo penal foram violadas e quando abriu a boca para se defender, foi impedido. O meu caso não foi muito diferente. Logo na primeira sessão, quando procurei defender-me, o juiz cortou-me a palavra e acabaria por me condenar de uma maneira perfeitamente inquisitorial, violando as mais básicas regras do processo penal.

Em todos os momentos do processo diante dos fariseus ele nunca teve medo, portou-se com enorme dignidade e até mesmo com uma certa altivez própria de quem sabe que está inocente. Eu procurei fazer o mesmo, mas houve uma diferença. Ele nunca se riu dos seus carrascos ao passo que eu não consegui conter-me.

Ele acabou condenado e eu também.

Ele morreu na sequência do processo judicial  e eu estive muito perto.

Mas havia uma coisa mais naquela sua natureza ao mesmo tempo divina e humana que me inspirava. Ele mostrou que um homem sozinho podia mudar o mundo. Acontece que eu também acredito nisso, seguramente por influência dele. 

(Continua acolá)


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