15 abril 2025

A Decisão do TEDH (427)

 (Continuação daqui)

"Eu talvez preferisse o hospital por cima do supermercado (a miudagem gosta de vistas altas)"


427. Processo Cível (VI)

 Um Grande Dilema


29 de Maio: Sexta sessão do Julgamento.

É ouvida a testemunha José de Freitas, o quinto advogado da Cuatrecasas a depôr no julgamento (e que havia sido multado na sessão anterior) e, finalmente, é ouvida a única testemunha da defesa, Fátima Pereira.

Fátima Pereira, jurista de formação, era uma colaboradora minha há mais de 20 anos, com uma grande experiência profissional em supervisão financeira perante as mais variadas entidades (Banco de Portugal, CMVM, Instituto de Seguros de Portugal). Quando a Associação Joãozinho foi constituída em Janeiro de 2013, para dar seguimento ao Projecto Joãozinho iniciado no HSJ em 2009, e que teve, entre os seus sócios fundadores, os cinco administradores do HSJ, eu fiz questão que ela ficasse na Direcção como Tesoureira. A Direcção Executiva ficou constituída por mim a presidente, ela a tesoureira e Ana Maria Príncipe (assessora do presidente do HSJ) a vogal, havendo ainda dois directores não executivos - o presidente do HSJ, António Ferreira, e o vice-presidente, João Oliveira. Tendo Fátima Pereira a Tesoureira, e nenhuma despesa podendo ser autorizada sem a sua assinatura, eu estava certo que nenhum cêntimo da Associação seria indevidamente gasto.

A seguir a mim, ela foi a pessoa que mais se bateu e assumiu  responsabilidades pela obra do Joãozinho (v.g., assinando comigo um contrato de empreitada de 20,2 milhões de euros). Por isso, quando o poder político se deu conta que praticamente duas pessoas tinham posto em marcha uma obra que os políticos desde há quase dez anos deveriam ter feito, e não fizeram,  foi ela, juntamente comigo, que mais sofreu com a adversidade.

O boicote à obra na primavera de 2015 comandado pela Cuatrecasas, tendo à frente o Paulo Rangel, tinha tanto de económico (entregar a obra a uma empresa amiga do PSD, como veio a acontecer), como de político (o Paulo Rangel, representando a facção mais socialista do PSD, tinha perdido as eleições internas para a facção mais liberal de Passos Coelho, cujo governo autorizara a obra, louvando a iniciativa da sociedade civil, ao ponto de ele próprio ter estado presente na cerimónia de lançamento da primeira pedra).

Mas quando o Governo da geringonça tomou posse no final de Novembro de 2015 - tinha a obra sido retomada há três semanas -, “juntou-se a fome com a vontade de comer” porque a adversidade,  agora de natureza sobretudo ideológica, passou a ser feroz, e eu - às vezes considerado o pai do neoliberalismo em Portugal -, enquanto presidente da Associação Joãozinho, passei a ser alvo de um campanha de calúnias atroz, com a Cuatrecasas em plano de destaque.

Mais tarde, em retrospectiva, a minha colaboradora Fátima Pereira confidenciou-me que, para ela, o golpe mais duro aconteceu com um artigo de página inteira do Público, em 22 de Outubro de 2016, da autoria da jornalista Margarida Gomes, com chamada de primeira página, que titulava “Joãozinho tenta fazer negócio com terrenos do Estado” (cf. aqui), em que eu era apresentado, literalmente, como um traficante de terrenos públicos. 

Antes de sumariar o artigo, convém descrever a realidade. O Hospital de S. João tinha cedido pelo Protocolo que viria a estar na origem deste processo,  uma parcela de terreno para que a Associação Joãozinho aí construísse a nova ala pediátrica através de um contrato firmado com o  consórcio de construtoras Lúcios-Somague.

Meses depois, foi negociado entre a administração do HSJ, a administração do Continente e  a direcção da Associação Joãozinho a cedência de uma outra parcela de terreno que permitiria ao Continente aí instalar um pequeno supermercado no formato “Continente Bom Dia” em troca de um pagamento anual destinado a contribuir para a obra da ala pediátrica. Esta negociação foi descrita com propriedade num artigo do JN com o título “Supermercado Continente vai pagar obras do Joãozinho”  da jornalista Hermana Cruz.

Na realidade, essa negociação - que envolveu a administração do HSJ e era semelhante a outras já existentes envolvendo terrenos do HSJ e instituições mecenáticas, como a Fundação Ronald MacDonald -, levaria o Continente a pagar cerca de metade do valor da obra (o contrato descontado na banca renderia cerca de 11 milhões de euros).

Esta era a realidade. E o que sugere o artigo do Público? Sugere que eu peguei na  parcela de terreno que me foi cedida pelo HSJ para construir a ala pediátrica e a fui negociar com o Continente para aí instalar um supermercado! 

Se aquilo que o artigo dizia fosse verdade, eu ficava com um grande dilema por resolver,  que era o de decidir como colocar um hospital pediátrico e um supermercado na mesma parcela de terreno, se o hospital por cima do supermercado ou o supermercado por cima do hospital. Eu talvez preferisse o hospital por cima do supermercado (a miudagem gosta de vistas altas).

O artigo citava anonimamente “um especialista em contratos públicos e Professor de Direito Administrativo” (na realidade, um mero Assistente). Tratava-se do advogado Vasco Moura Ramos da Cuatrecasas, um dos advogados que  havia subscrito a queixa-crime contra mim meses antes e cujo julgamento agora decorria. E quanto à sociedade de advogados que é mencionada no artigo, nem vale a pena dizer como se chama.

(Continua acolá)

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