(Continuação daqui)
46. Uma espécie de Papa laico
Ninguém contribuiu tanto para a contundente vitória de Donald Trump nas últimas eleições como os votantes católicos, que votaram maioritariamente em Trump por uma margem de 15 pontos (56% contra 41%), ao passo que nas eleições anteriores tinham votado maioritariamente contra Trump e em favor de Biden por uma margem de 5 pontos (cf. aqui).
E ninguém está a fazer mais pelo catolicismo no mundo, incluindo a Europa (e Portugal, talvez o mais católico dos países europeus) do que Donald Trump.
Quando em 1835 Alexis de Tocqueville, um aristocrata católico, publicou a primeira edição do seu livro "A Democracia na América", logo no capítulo VI se interrogou por que é que, tendo os EUA nascido protestantes, já nessa altura o catolicismo era a denominação religiosa em mais forte crescimento no país (em breve virar tornar-se a maior, uma situação que mantém até hoje, representando cerca de 23% da população americana).
Tocquevile considerava a religião o factor principal que suportava a democracia americana e, ao contrário da prática religiosa institucional que é típica do catolicismo, aquilo que o impressionou na América era o facto de os protestantes praticarem a religião, não principalmente ao domingo em grandiosas cerimónias como as da missa católica, mas nos assuntos vulgares e diários da sua vida corrente.
(Dentro do catolicismo esta perspectiva religiosa, que desvaloriza a prática institucional, e valoriza a prática religiosa informal nos assuntos da vida corrente é muito recente e foi introduzida pelo Opus Dei, que visa a santificação nos assuntos da vida diária, a começar pelo trabalho).
A questão de Tocquevile poderia reformular-se assim. Por que é que um país, como os EUA, fundado por protestantes e povoado religiosamente por tantas seitas protestantes, recebia tão bem o catolicismo?
A resposta é que, a despeito da oposição em muitos aspectos, o catolicismo dava aos EUA aquilo que as seitas protestantes não lhe conseguiam dar: unidade, autoridade, certeza doutrinal, tradição. É isso mesmo que os católicos americanos viram em Trump no passado mês de Novembro, e é isso mesmo que Trump agora espalha pelo mundo - unidade (expressa no seu nacionalismo), autoridade (expressa na sua própria pessoa), certeza doutrina (expressa no seu capitalismo), tradição (expressa no sonho americano).
Trump está a tornar-se no mundo uma espécie de Papa laico, uma autoridade dotada de um poder supremo e absoluto, e que ele sente que pode sempre livremente exercer. Difere do Papa Francisco num aspecto principal, que é o de pôr o ênfase na riqueza, ao passo que o Papa põe o ênfase na pobreza.
Enquanto esta semana um lobby católico socialista se reunia em Lisboa para pedir mais dinheiro ao Estado para lidar com os pobres (cf. aqui), em Washington Donald Trump assinava decretos governamentais que visam tornar a América rica outra vez. Em Lisboa dá-se peixe aos pobres, nos EUA abrem-se os mares para que eles possam pescar.
(Continua acolá)

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