13 fevereiro 2025

O Muro da Vergonha (45)

 (Continuação daqui)


No caminho


45. Pedro, Tiago y Juan

O Caminho de Santiago tem grandes e variados significados para mim. Um deles é o de ser uma expressão do sonho americano porque no Caminho de Santiago ninguém se atravessa no seu caminho. 

Já o fiz quatro vezes e no Sábado passado estive no lançamento do livro "Bom Caminho", de Artur Filipe dos Santos (cf. aqui), no Corte Inglês, em Vila Nova de Gaia. No final, permitiram-me exprimir um outro significado - seguramente, o maior de todos -, que o Caminho tem para mim.

A primeira vez que fiz o Caminho foi em 2015, sozinho, desde o Porto até Santiago de Compostela, demorei onze dias. Como acontece com as pessoas que já viveram a experiência (que é bastante diferente de ir a Fátima), todas as preocupações e incómodos do dia-a-dia ficam para trás perfeitamente esquecidos, e o espírito voa livremente pelo Caminho.

Foi num desses momento, já em terras da Galiza, que fiz uma descoberta surpreendente. Na altura, tinha cinco netos, dos quais dois eram rapazes,  o Tiago, com quatro anos, e o João com apenas um ano de idade.

Ocorreu-me que Pedro, Tiago e João eram os três apóstolos preferidos de Cristo. Eram eles que Cristo chamava para as missões especiais. Foram Pedro, Tiago e João que Cristo chamou para  testemunhar a ressurreição da filha de Jairo, foram também eles que testemunharam a transfiguração de Cristo no Monte Tabor. Foram ainda Pedro, Tiago e João que acompanharam Cristo na noite em que foi traído (cf. aqui).

O facto de Pedro, Tiago e João se juntarem agora na minha própria família não era a única coincidência. Havia outras. O apóstolo Pedro, o chefe, era o mais velho dos três, Tiago vinha a seguir, e João era o mais novo. E o mesmo acontecia agora, o Pedro era o mais velho, seguido do Tiago e do João. Além disso - talvez a maior coincidência de todas -, os apóstolos Tiago e João eram irmãos, filhos de Salomé e Zebedeu, e isso acontecia agora também, só que desta vez os pais se chamavam Sílvia e Ricardo.

Fiquei à espera do dia em que eu mais os meus netos Tiago e João pudéssemos fazer em conjunto o Caminho de Santiago. O sonho concretizou-se sete anos depois, nas férias da Páscoa, em Abril de 2023. Fizemos a peregrinação de Pontevedra até Santiago de Compostela, três dias a caminhar, num total de cerca de 70 Km, pernoitando em Caldas de Reys e Padrón. Eu tinha na altura 69 anos (e, como o Pedro original, fui o chefe da missão), o Tiago tinha onze e o João somente oito, eles eram os mais jovens peregrinos no Caminho.


Tiago e João, a caminho


No regresso, Tiago e João divertiram-se com o apóstolo Pedro, o chefe, confidenciando alegremente à família: "Quando alguém passava por nós, o avô dizia: 'Pedro, Tiago y Juan, los três apóstolos preferidos de Cristo!' ".

E, na realidade, foi assim. No dia do regresso ao Porto, que era Domingo de Páscoa, enquanto esperávamos o comboio na estação de Santiago de Compostela, quatro beldades madrilenas, que se tinham cruzado connosco no Caminho por várias vezes, e que nesse dia também regressavam a casa, ao ver-nos, exclamaram em uníssono, dirigindo-se a mim: "El abuelo!".

Foi a suprema felicidade. A missão especial estava cumprida.


No dia seguinte à chegada, em frente à Catedral de Santiago 


Meses depois, em França, contei a experiência a uma senhora que conhecia bem o Caminho de Santiago, lembrando que Pierre, Jacques et Jean era os três apóstolos que Cristo chamava para as missões especiais. E acrescentei: "Na idade em que estou já não devo ter nenhuma missão especial a cumprir na vida, mas os meus netos ainda devem ter".

Foi quando ela me respondeu:

-Olhe que não, até ao último dia pode ter sempre mais uma missão para cumprir.

E eu acreditei.  

(Continua acolá)

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