08 fevereiro 2025

O Muro da Vergonha (31)

 (Continuação daqui)

Fonte: cf. aqui


31. A santificação científica da pobreza

A cultura católica santifica a pobreza. A cultura protestante substituiu a santificação católica da pobreza pela santificação do trabalho (a palavra certa seria aqui  "sacralização" e não "santificação" porque os protestantes não admitem santos e, portanto, não santificam coisa nenhuma).

Os dois principais líderes da Reforma Protestante, Lutero (Prússia, Alemanha) e Calvino (Suíça, mas cuja influência se estendeu rapidamente às Ilhas Britânicas) sacralizaram o trabalho e com isso  operaram uma revolução económica de dimensões colossais.

Em breve, dois dos grandes economistas clássicos, Adam Smith, na Escócia - o primeiro grande teórico do capitalismo - e David Ricardo em Inglaterra - um especulador de Bolsa, descendente de judeus portugueses - estavam a  defender a teoria do valor-trabalho, e não passou muito tempo até que Karl Marx, familiarizado com os trabalhos daqueles dois economistas, fizesse o mesmo na Prússia.

A teoria do valor-trabalho afirma que as coisas têm valor porque possuem trabalho incorporado. Em consequência desta teoria, o trabalho humano ganhava uma dignidade nunca vista, certamente que não enquanto o pensamento católico dominou em regime de monopólio a cultura cristã do Ocidente. Para o catolicismo, o trabalho sempre foi um sacrifício, uma espécie de castigo imposto por Deus aos homens.

Para os protestantes, o trabalho passou a ser olhado de uma forma radicalmente diferente. Não só era a actividade preferencial para agradar a Deus, como era a fonte do valor das coisas. Um homem de fé que trabalhasse muito e produzisse valor, enriquecendo pelo caminho, estava perfeitamente justificado aos olhos de Deus e dos outros homens. 

Se os protestantes admitissem santos, pode dizer-se, sem margem para erro, que no protestantismo os santos seriam  todos ricos, e não ricos quaisquer, mas novos-ricos, aqueles que enriquecem pelo seu trabalho, mais do que por herança. Foi uma reviravolta dramática em relação ao catolicismo para o qual os santos sempre foram pobres e que desvaloriza os ricos, especialmente os novos.

O aumento da produtividade e da riqueza nos países protestantes em resultado desta mudança de atitude em relação ao trabalho foi extraordinário, em contraste com o declínio e a pobreza em que passaram a viver os países católicos. Para explicar este contraste, Max Weber escreveu "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", uma explicação que Antero de Quental já tinha antecipado décadas antes no seu ensaio "As Causas da Decadência do Povos Peninsulares".

Neste processo em que a sacralização do trabalho foi acompanhada pelo desenvolvimento da teoria do valor-trabalho no mundo de influência protestante, ocorreu um imprevisto. Os economistas deram-se conta de que a teoria do valor-trabalho era falsa e foi substituída pela teoria subjectiva do valor, segundo a qual as coisas possuem valor porque as pessoas, certa ou erradamente, vêem nelas meios adequados para satisfazer certos fins.

Porém, o mal estava feito. Marx agarrou-se à teoria do valor-trabalho para desenvolver a sua própria teoria do modo de produção capitalista. Se todo o valor de um produto deriva do trabalho e se as receitas da empresa são partilhadas entre trabalhadores (salários) e capitalistas (lucros), então os capitalistas estão apropriar-se de uma parte do valor que não lhes pertence, explorando os trabalhadores. É preciso criar uma sociedade em que os trabalhadores sejam ao mesmo tempo os patrões, possuindo os meios de produção. Daqui à revolução do proletariado e à sociedade comunista são dois passos que outros, como Lenine, não hesitaram em dar.

Quem ficou encantado com o marxismo foram os jesuítas, que desde sempre foram educados na cultura luterana da Prússia. Não é de mais relembrar que os jesuítas representam o luteranismo protestante dentro da Igreja Católica, uma cultura distintamente prussiana que produziu Lutero, Marx, Kant, Bismarck e praticamente todos os grandes teóricos do socialismo, nas suas diferentes variantes, desde o comunismo à social democracia.

O marxismo deu aos jesuítas uma base alegadamente científica para fazer aquilo que a Igreja Católica sempre fez - santificar a pobreza - e permitia-lhes agora defender os pobres com uma energia redobrada face aos seus inimigos declarados - os ricos. O marxismo permitiu aos jesuítas promover uma espécie de santificação científica da pobreza, uma santificação que não estava apenas assente na fé, mas também na razão.

Quem, ainda hoje, quiser encontrar um comunista articulado dentro da Igreja Católica deve começar pelos jesuítas e nem sequer tem de procurar muito. O Papa Francisco salta logo à vista. Quis o destino e a sua inquestionável bravura que fossem os jesuítas os principais missionários católicos na colonização da América Latina, de que o próprio Papa Francisco é um produto.

O resultado está à vista (na imagem acima).     

(Continua acolá)   

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