07 fevereiro 2025

O Muro da Vergonha (30)

 (Continuação daqui)



30. Opus Dei


Nos países católicos do sul da Europa e da América Latina as entidades oficiais, a começar pela Igreja e a continuar nos Governos, passam o tempo a falar dos pobres. Nem mesmo ontem, na apresentação da sua candidatura a Presidente da República,  o candidato Marques Mendes se esqueceu de falar dos pobres.

É de bom-tom e põe-no logo numa posição de superioridade. No país ao qual ele ambiciona presidir há uma classe de cidadãos que são pobres, mas ele não está incluído nela. Pelo contrário, ele pertence a uma classe superior - a classe daqueles que vão proteger os pobres. A conclusão a tirar é que no dia em que acabarem os pobres, ele próprio se sente desprotegido no seu sentimento de auto-importância, uma razão suficientemente poderosa para que ele zele no sentido de que os pobres nunca acabem no país.

Raramente nos EUA se ouvem políticos a falar dos pobres e muito menos a prometer cuidar deles. O Presidente Trump, para citar um paradigma, fala até bastantes mais vezes nos ricos do que nos pobres. (Ele próprio já escreveu um livro a ensinar como as pessoas se podem tornar ricas). E, no entanto, não existe país no mundo, nem alguma vez existiu, que mais tenha contribuído para acabar com os pobres do que os EUA.

Qual a razão para este mistério?  

A religião católica santifica a pobreza, de que S. Francisco, de quem o actual Papa tomou o nome de empréstimo, é o paradigma. Os santos católicos são todos pobres, alegadamente imitando Cristo na sua pobreza, castidade e obediência, que são os votos prestados pelos padres católicos na sua ordenação. No limite, a Igreja Católica, pela persuasão e pelo exemplo, quer fazer de todos nós padres católicos, e o candidato Marques Mendes não conseguiu fugir a essa pressão cultural (cf. aqui).

(É altura de dizer que eu não teria objecção nenhuma a ser pobre como Cristo, dada a capacidade que ele tinha para, a todo o momento e a partir do nada, produzir pão, peixe, vinho e sabe-se lá que mais, certamente também ouro).

Pelo contrário, a teologia calvinista, fundadora da cultura americana, santifica o trabalho. Deus deu ao homem múltiplas capacidades e talentos, como a racionalidade, a força física, a fé e a inteligência. Agrada a Deus quem puser estas capacidades que Ele lhe deu ao serviço de si próprio e dos outros. Um homem que utilize estas capacidades para produzir sapatos, automóveis ou chips para computadores e, pelo caminho, se torne rico, é um verdadeiro herói aos olhos do Deus calvinista (e um presumível patife aos olhos do Deus católico).

Seria injusto criticar genericamente a Igreja Católica e a sua cultura de pobreza porque a Igreja Católica é muito diversificada e possui muitas correntes no seu interior. Existe uma corrente que a aproxima do calvinismo e do capitalismo porque também santifica o trabalho. É o Opus Dei que celebra a vida laica de Cristo, isto é, a sua vida antes da revelação (que só ocorreu aos 30 anos de idade), esse período em que ele foi um anónimo trabalhador, presume-se que carpinteiro, como o pai.

"Seja um bom trabalhador e agradará a Deus". Esta é a grande mensagem social da corrente teológica do Opus Dei. É uma viragem radical em relação à medíocre ética do trabalho que emana do catolicismo tradicional, e que explica a baixa produtividade e a baixa riqueza dos países católicos em relação aos países protestantes, como os EUA.

Sob a influência generalizada do Opus Dei nos países de tradição católica jamais existiria o Muro da Vergonha. Acerca disso, eu não tenho a mínima dúvida.

(Continua acolá)

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