(Continuação daqui)
52. Democracia à portuguesa
O regime político de democracia partidária ou liberal em que Portugal vive há cerca de 50 anos não foi escolhido pelo povo português, nem sequer referendado. Foi imposto aos portugueses pelo golpe militar de 25 de Abril de 1974 e, neste sentido, é um verdadeiro regime-pirata.
Ora, para combater piratas ninguém melhor que verdadeiros marinheiros, e o aparecimento do Almirante Gouveia e Melo na cena política nacional abre a esperança de mudança, ainda que gradual, para um regime político adequado à cultura portuguesa.
A cultura católica (uma palavra que, do grego katholikos, significa universal (cf. aqui)) é uma cultura que imita tudo para justificar o seu carácter universal. Algumas imitações saem bem, outras saem mal, como aconteceu com a imitação do regime de democracia partidária a partir da cultura protestante dos países do norte da Europa (os partidos são a versão laica das seitas protestantes).
Uma cultura fortemente comunitária como a cultura católica de Portugal tem imensa dificuldade em conviver com seitas que, em lugar de unirem as pessoas, as separam. Eu tenho descrito a democracia partidária em relação a Portugal como "um fato que não lhe serve" e os sinais de desconforto parecem estar claramente à vista.
Gerou-se na sociedade portuguesa nas últimas décadas a ideia de que a democracia é aquela forma de democracia importada dos países protestantes, que não existe sem partidos. Porém, existe uma tradição popular na cultura católica portuguesa que é democrática, mas que não envolve partidos, nem candidatos, nem campanhas eleitorais, mas apenas comunidades, pessoas e actos eleitorais.
Essa tradição pode descrever-se com uma simplicidade extrema. Mas antes de o fazer, vale a pena recordar alguns resultados dos inquéritos de opinião que referi no post anterior. As instituições em quem os portugueses têm mais confiança são as mais comunitárias. Para além das Pessoas, as Forças de Segurança (Polícia e Militares) estão muito bem cotadas, o mesmo sucedendo com as Juntas de Freguesia e as Câmaras municipais. No extremo oposto, as instituições que merecem menos confiança aos portugueses são as mais partidarizadas - Partidos Políticos, Governo e Assembleia da República.
Eis agora a maneira da cultura portuguesa e católica ser democrática aplicada à formação dos governos locais e nacional. Em todos os casos são proibidos os partidos políticos ou quaisquer outras instituições sectárias bem como candidatos ao lugar. Está igualmente proibida a campanha eleitoral, sendo apenas marcada uma data para o acto eleitoral.
(i) A primeira comunidade política é a Freguesia, pelo que em cada Freguesia os habitantes maiores de idade elegem a pessoa que consideram adequada para Presidente da Junta, a qual escolhe depois os seus colaboradores para a governação da autarquia. (Como estão proibidos os candidatos, a pessoa escolhida pode recusar a honra, devendo a população escolher outra pessoa nesse caso. Essa eventualidade será rara uma vez que a pessoa escolhida já terá sido sondada para o efeito pelos seus conterrâneos).
(ii) A segunda comunidade é o Município. Em cada Município, os presidentes de Junta elegem o Presidente da Câmara, o qual escolherá os seus colaboradores para governar a autarquia.
(iii) A terceira comunidade é a Nação. Os presidentes de Câmara elegem o Chefe de Estado (Presidente da República), o qual escolherá os seus colaboradores (Governo) para governar o país.
Uma nota importante. O Chefe de Estado não tem necessariamente que ser um presidente de Câmara, podendo ser uma pessoa exterior escolhida pelos presidentes de Câmara. (O mesmo se aplica em (ii) ao Presidente da Câmara que não tem necessariamente de ser um Presidente de Junta) (*).
É este o regime democrático inerente à cultura católica dos portugueses. É assim a Democracia à portuguesa.
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(*) Na Igreja Católica, o Papa não tem que ser um cardeal nem sequer um padre, podendo ser outra pessoa eleita pelo Colégio de Cardeais.
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