(Continuação daqui)
61. Armas ou manteiga
A preferência que os portugueses exprimem nas sondagens pelo Almirante Gouveia e Melo parece corresponder ao chamamento de um figura de unidade para presidir ao país. Esta figura de unidade é necessária para mitigar o divisionismo causado pelos partidos, os quais têm partido a comunidade em autênticas "seitas", cada vez mais agressivas umas com as outras.
É para preservar essa figura de unidade aos olhos dos portugueses que o Almirante deve evitar participar em debates e entrevistas como aquela que deu no Podfest do Expresso na última sexta-feira (cf. aqui), e à qual me referi em baixo (cf. aqui). É que os debates, as entrevistas, as mesas redondas contribuirão sempre para dividir os cidadãos em torno da figura do Almirante, destruindo-lhe o capital principal que está na base da sua popularidade - o de aparecer, aos olhos dos portugueses e por cima dos divisionismos partidários, como uma figura de unidade nacional.
Os seus adversários nem perderam tempo para aproveitar a entrevista em dois pontos principais, atribuindo ao Almirante posições que ele próprio não exprimiu, como a de preferir despesas militares a despesas sociais e a de ser favorável ao recrutamento militar obrigatório (cf. aqui). Ilustrarei com o primeiro destes pontos.
Os economistas britânicos usam um modelo económico muito simples para ilustrar a ideia de trade-off, isto é, de que tudo tem um custo na vida - senão em termos de dinheiro, certamente em termos de outros bens -, que é a ideia de custo de oportunidade. O modelo chama-se "Guns or butter", às vezes também chamado "Canons or butter", em suma, "Armas ou manteiga", e que se pode ilustrar do modo seguinte.
Numa economia simples em que se produzem apenas dois bens - armas e manteiga -, se a sociedade decidir produzir mais armas vai ter de produzir menos manteiga, e vice-versa. Este modelo assenta em duas suposições, para além da principal e a mais realista, que é a de que os recursos são escassos: a primeira é a de que esta economia não tem crescimento porque, havendo crescimento, é possível produzir ao mesmo tempo mais canhões e mais manteiga; a segunda é a de que só existem dois bens nesta economia, porque havendo mais, podem-se produzir mais canhões e mais manteiga, embora a expensas de outros bens (v.g., arroz, feijão, trigo, milho).
Em abstracto, quando perguntado como é que o Estado financiaria o aumento das despesas militares a que está obrigado no seio da NATO, o Almirante não excluiu as despesas sociais, sem nunca ter dito que essa seria a sua primeira opção, embora tendo deixado claro que numa situação limite (v.g., uma guerra), como é óbvio, isso seria uma inevitabilidade.
Porém, aquilo que foi uma conversa em abstracto acerca de armas e manteiga, logo um dos adversários do Almirante se encarregou de converter num dualismo concreto e divisionista, a saber, que o Almirante preferia as despesas militares às despesas sociais, ao passo que ele preferia as despesa sociais às despesas militares (cf. aqui).
Ora, esta conversa do Almirante com os jornalistas do Expresso, que parece totalmente inofensiva, divide os portugueses em torno do Almirante e contra o Almirante porque a maioria dos portugueses prefere obviamente (em abstracto) despesas sociais a despesas militares, os portugueses preferem naturalmente manteiga a canhões. (E também um serviço militar livre a um serviço militar obrigatório)
Se o Almirante cometer este erro muitas vezes de andar por aí a dar entrevistas ainda vai perder as eleições, desbaratando o seu precioso capital de figura de unidade nacional.
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