10 janeiro 2025

Almirante Gouveia e Melo (55)

 (Continuação daqui)




55. Antes que venha outra ditadura


O chamamento do Almirante Gouveia e Melo à Presidência da República, com o seu perfil militar e os valores que lhe estão associados, é claramente um sinal do mal-estar dos portugueses com o regime de democracia partidária que há cerca de meio século governa o país.

É preciso não esquecer que os portugueses em 1926 receberam muito bem, primeiro, uma ditadura militar, e depois o regime do Estado Novo de Salazar, para pôr fim aos desmandos do regime de democracia partidária que governou o país durante a I República. 

A Revolução de 28 de Maio de 1926 foi um autêntico passeio de dez dias do Marechal Gomes da Costa de Braga a Lisboa, à frente das suas tropas, com algumas paragens (v.g., Coimbra e Santarém) para dar tempo aos oponentes que saíssem da frente. Sete anos depois a Constituição de 1933 viria a ser referendada esmagadoramente pelo povo português. 

Não foi caso único. Nos países católicos onde no último século se instalaram algumas das mais conhecidas ditaduras militares (v.g. Espanha de Franco, Brasil de Costa e Silva, Chile de Pinochet) ou de inspiração militar (v.g., Portugal de Salazar) foi sempre em resposta ao descalabro causado pelos regimes de democracia partidária.

Embora, nesse período, o maior descalabro da democracia partidária não tenha ocorrido em nenhum país católico, nem tenha sido sucedido por uma ditadura militar. Ocorreu na Alemanha e foi sucedido por uma ditadura civil. O Partido Nacional-Socialista (Nazi) de Hitler começou por ganhar as eleições legislativas com cerca de 40% dos votos. Mais tarde, o Parlamento, por maioria qualificada dos seus membros, conferiu a Hitler poderes quase absolutos. Os resultados são conhecidos.

O próprio Salazar ficou perplexo depois da Guerra quando viu os países da Europa a reconstruirem-se politicamente na base de regimes de democracia partidária. A perplexidade de Salazar resultava do facto de, na sua opinião, terem sido os  regimes de democracia partidária que, em primeiro lugar, tinham levado os países à Guerra - em primeiro lugar, a própria Alemanha. Mais de 70 anos depois, fica-se com a sensação de que Salazar, mais uma vez, pode ter tido razão.

O Almirante Gouveia e Melo tem falado recorrentemente de um risco acrescido de Guerra na Europa e ainda hoje voltou a fazê-lo, enfatizando a necessidade de se discutir o tema da Defesa nas próximas eleições presidenciais (cf. aqui). Ao contrário daquilo que ele parece às vezes sugerir, esse risco acrescido não vem só da Rússia, vem também das democracias partidárias. Afinal, quem iniciou a última Grande Guerra não foi a Rússia mas uma democracia partidária.

O que é que há de errado no regime político de democracia partidária?

O facto de não ser um regime político universal, um "fato" que sirva a todos os países. Na Inglaterra, que o criou, e nos países anglófonos, parece funcionar bastante bem. Nos países católicos, a prazo, não tem funcionado. Nos países árabes nem pensar e na Rússia seria catastrófico.

Cerca de 80% da população portuguesa não confia nos partidos nem se vê politicamente representada neles, embora a maioria aprecie a democracia (cf. aqui). Reformar o sistema político em Portugal, ou implementar uma alternativa que seja democrática, vai ser um das tarefas prioritárias do Almirante Gouveia e Melo para os próximos dez anos. Parece mais que óbvio que, confiando nele como parecem confiar, os portugueses  estarão dispostos a dar-lhe os poderes que sejam necessários para o efeito. Antes que venha outra ditadura.

(Continua acolá)

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