(Continuação daqui)
54. Sem sair de casa
Aquilo que a sondagem ontem divulgada pela TVI/CNN sobre as presidenciais (cf. aqui) veio sugerir mais uma vez é que o Almirante Gouveia e Melo será eleito Presidente da República praticamente sem sair de casa.
De facto, para além de um certo mínimo, que é muito pequeno, o Almirante só tem a perder - autoridade, prestígio e votos - cada vez que sair à rua em campanha eleitoral.
Esse mínimo inclui algumas alocuções televisivas em directo dirigidas ao povo português e uma ou outra entrevista com jornalistas da sua confiança pessoal. Tudo o que vá para além disso, nomeadamente debates televisivos, comentários à saída do restaurante, mesas redondas, conferências, banhos de multidão, entrevistas sem saber quem está do lado de lá, só o pode prejudicar.
O cardeal Joseph Ratzinger, mais tarde Papa Bento XVI, foi um grande intelectual e o grande doutrinador do catolicismo moderno, expresso na obra que ele próprio dirigiu e que considerava a obra da sua vida: o Catecismo da Igreja Católica.
Não surpreende que um intelectual assim tenha vindo da Alemanha, a pátria do protestantismo moderno, uma cultura que valoriza o intelecto e a razão. Enquanto o catolicismo esteve entregue a teólogos do sul da Europa ou da América Latina não produziu nada de novo. Na realidade, a grande tragédia dos países de cultura católica, como Portugal, é que nos últimos cinco séculos não saiu deles uma única ideia original.
Na Introdução a um dos volumes da sua monumental obra "Jesus Cristo", o Papa Bento XVI dirige-se aos leitores pedindo que leiam o seu livro com boa vontade, mesmo se discordarem dos argumentos ou não gostarem do autor. É que sem boa vontade e sem o coração aberto todo o diálogo é infrutífero, senão mesmo destrutivo. Por outras palavras, aquilo que o Papa sugere é que um leitor que, antes de ler o livro, já esteja preconceituado contra o livro ou contra o seu autor, está a gastar inutilmente o seu tempo e não contribui para nada de positivo.
É muito significativo que esta mensagem tenha sido escrita por um homem que vem da pátria do protestantismo, uma cultura em que cada pessoa chega a Deus pelo estudo das Escrituras e pelo diálogo construtivo e de boa-vontade com os outros, fazendo da liberdade de interpretação e discussão das ideias valores sagrados desta cultura.
É diferente na cultura católica. Nesta, chega-se a Deus pela autoridade da Igreja na interpretação das Escrituras. A Igreja comunica com os crentes (leigos) de cima para baixo, com autoridade, não em diálogo, como fazem os protestantes.
Na cultura católica, o diálogo serve para diminuir a autoridade, para deitar abaixo quem está lá em cima, para pôr ao mesmo nível quem está lá em cima e quem está lá em baixo. É por isso que o Almirante deve evitar debates, mesas redondas, conferências, entrevistas sem saber quem é o jornalista que está do outro lado, aparições públicas em que possa ser surpreendido por grupos adversos ou por jornalistas. Só virão para o destruir.
A mensagem do Papa Bento XVI é clara. Não vale a pena dialogar com quem nos quer mal.
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