26 novembro 2024

A Decisão do TEDH (401)

 (Continuação daqui)




400. Saquear inocentes


Herdaram a cultura da Inquisição que é uma cultura associada ao poder absoluto dos reis, um poder que não conhece limites. Em democracia nunca ninguém os escrutinou, nunca ninguém lhes impôs limites, nunca ninguém os confrontou, nunca ninguém lhes traçou uma linha vermelha no chão com a mensagem "Daqui não passam, caso contrário vai haver sarilho". Por isso, eles continuaram a agir como nos tempos da Idade Média e dos reis absolutos.

Num post anterior afirmei que cada vez que os dirigentes do Ministério Público abrem a boca sai um medievalismo, e eles agora abrem a boca com uma frequência inusitada.

Eis o que disse o PGR Amadeu Guerra na semana passada, no discurso de tomada de posse do novo director do DCIAP, sobre uma velha prática inquisitorial de lançar suspeitas sobre uma pessoa e, ainda antes que haja uma acusação formal, menos ainda um julgamento e uma condenação, arrestar os seus bens, deixando-a na penúria e sem meios de sobrevivência. Aquilo que as jornalistas acrescentam é ainda pior, excepto na observação de se tratar de um mecanismo há muito consagrado em Portugal (ênfases meus): 

“Na criminalidade económico-financeira, é tão ou mais eficaz assegurar a perda de bens do que uma condenação em prisão. Por isso, é uma prioridade dinamizar e concretizar a recuperação de ativos”, declarou Amadeu Guerra. Recorde-se que a apreensão e perda imediata a favor do Estado dos bens que são suspeitos de serem produto de crimes, ainda antes do trânsito em julgado dos processos, é um mecanismo há muito consagrado em Portugal (...)". (cf. aqui)

O magistrado Amadeu Guerra estava a falar do arresto preventivo, um tema que lhe é caro desde que tomou posse:

"Neste sentido, “será criada uma estrutura ágil, à qual será dada a formação necessária, encarregada de realizar ou apoiar o titular do inquérito na inventariação dos ativos e na apresentação dos requerimentos necessários à decisão de arresto preventivo”, referiu" (cf. aqui). 


Esta prática viola os mais básicos princípios modernos ou democráticos de justiça, como o da presunção de inocência, o do devido processo legal e, acima de todos, o princípio de que não pode haver pena sem condenação. Mas o que interessam os modernos princípios de justiça a uma instituição como o Ministério Público que se governa por princípios medievais de justiça? 

Na Idade Média, justiça era aquilo que o rei absoluto e os seus agentes dissessem que era justo. Quando o rei ou os inquisidores precisavam de dinheiro, apontavam o dedo a um qualquer homem rico, normalmente um cristão-novo e, sob o pretexto de infidelidade ao catolicismo, saqueavam-lhe os bens.

É este mecanismo  de saquear inocentes que o Procurador Amadeu Guerra quer tornar mais expedito. Ele chama-lhe arresto preventivo. Em democracia, é roubo (cf. aqui). 

São deste tipo as inovações que o novo PGR, o magistrado Amadeu Guerra, reformado do Ministério Público, 70 anos de idade, está a introduzir na instituição para a trazer à modernidade.

(Continua acolá)

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