11 novembro 2024

A Decisão do TEDH (391)

 (Continuação daqui)



391. Génios mortos


Durante o processo judicial que conduziu à decisão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal o advogado que me representava - e que, entretanto, despedi - recorreu, em meu nome, para o Tribunal Constitucional para que me fosse garantido o direito ao recurso previsto no artº 32º da Constituição. Eu tinha sido absolvido em primeira instância do crime de difamação agravada, mas condenado na Relação do Porto por este crime.

Mais tarde, eu viria a concluir - mas só tarde demais - que este recurso para o TC, que atrasou o processo no TEDH em perto de dois anos e me custou quase cinco mil euros em custas judiciais, era desnecessário porque o TEDH não considera os recursos para o TC para efeitos do artº 35º da CEDH que obriga ao esgotamento de todos os recursos internos antes de se poder apelar a este tribunal internacional.

Depois de gasto tanto dinheiro e perdido tanto tempo, o pormenor que me despertou para este logro foi o facto de o acórdão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal nem sequer mencionar o recurso para o TC. Em breve, pela consulta de outros acórdãos relativos a Portugal, eu iria constatar a jurisprudência do TEDH a este respeito. Os recursos para o TC não são considerados para efeitos do artº 35º da CEDH porque o TC é um tribunal de direitos e não um tribunal judicial que possa anular ou modificar a condenação. Andei a gastar tempo e dinheiro para o boneco.

Na altura, estava em vigor uma exótica jurisprudência do TC em relação ao artº 32º da Constituição - entretanto anulada por uma lei da Assembleia da República - mediante a qual só eram recorríveis para o Supremo as condenações inovadoras da Relação que implicassem pena de prisão. Como a minha era uma pena de multa, acabei condenado pelo crime de difamação agravada sem dupla conforme.

No decurso da minha investigação sobre essa jurisprudência, escrevi uma série de posts com o título Marçanos da Judicatura, referindo-me aos juízes do Tribunal Constitucional e num deles visei especialmente o juiz Pedro Machete (cf. aqui).

O juiz Pedro Machete faleceu este fim-de-semana (cf. aqui). Lamento a sua morte e gostaria de apresentar as minhas condolências à família.  Mas tenho de admitir, em consonância com o que escrevi na altura, que ele não faz falta nenhuma enquanto jurista.  Ele representava, aos meus olhos, muito daquilo que de pior existe na cultura jurídica portuguesa e, por isso, não posso partilhar os elogios profissionais que lhe têm sido feitos.

(Continua acolá)

Portugal onde, na área da Justiça, faltam claramente os génios vivos, é um país cheio de génios mortos. 

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