(Continuação daqui)
XII. Uma corporação de trapalhões
A Lei 20/2013 é de Novembro de 2013. Talvez para celebrar o sétimo aniversário de discussões acerca da sua constitucionalidade, em 2020 o Tribunal Constitucional conseguiu o feito de a declarar inconstitucional em Janeiro (acórdão 31/2020, cf. aqui) e constitucional em Novembro (acordão 646/2020, cf. aqui).
Existe na nossa cultura uma certa tendência para pessoalizar tudo, incluindo as instituições, às vezes chamadas pessoas colectivas. Seguindo essa tradição, eu fui à procura da palavra que descreve a pessoa em quem não se pode confiar porque ela é capaz de dizer hoje uma coisa e amanhã o seu contrário e que tem sempre uma explicação, que só na aparência é racional, para as suas próprias contradições.
Encontrei a palavra trapalhão (cf. aqui), mas as palavras trapaceiro ou embusteiro poderiam desempenhar o mesmo papel. Em seguida - no âmbito do processo de análise da constitucionalidade da Lei 20/2013, que é aquele que eu melhor conheço -, fui à procura do "juiz" que fosse mais representativo dessa corporação, e encontrei o "juiz" Pedro Machete.
Curiosamente, o "juiz" Machete foi promovido recentemente a vice-presidente do Tribunal Constitucional, e bem assim, porque ele é representativo da instituição muito mais do que o seu próprio presidente. E também é representativo do carácter monárquico a que o regime chegou porque ele nunca teria chegado a "juiz" do Tribunal Constitucional se não fosse filho de quem é.
Eu já tinha notado neste blogue as dificuldades de comunicação do "juiz" Pedro Machete (cf. aqui). Não sendo especialista em psicologia, a minha experiência de vida sugere-me que as pessoas que têm dificuldade em comunicar com os outros pertencem a uma de duas categorias. Ou são egoístas radicais, que, em lugar de comunicar com os outros, desejam é comunicar consigo próprias; ou são pessoas com um espírito confuso, que é outra maneira de olhar para o trapalhão.
Como o seu espírito não consegue separar uma ideia da outra, o trapalhão fala sem parar, exibindo uma patologia que parece afectar os juristas mais do que qualquer outra profissão - a verborreia (cf. aqui). E escreve como fala, sem pontuação, sendo capaz de colocar palavras umas atrás das outras, às dezenas, sem uma única pausa, um único período, um ponto final que permita ao leitor respirar fundo e fazer sentido daquilo que acabou de ler.
É assim que o "juiz" Pedro Machete começa a sua declaração de voto de vencido no acórdão 31/2020, o qual considera inconstitucional a Lei 20/2013 para todas as penas, incluindo as de multa (cf. aqui):
"(...) entendo que a presente decisão, na sua análise quanto à defesa do arguido absolvido em 1.ª instância e que se vê confrontado com uma condenação proferida em 2.ª instância, desloca o acento tónico da determinação das consequências do crime – aspeto consequencial, mas inovatório face ao objeto da decisão absolutória anterior – para a própria condenação pelo(s) crime(s) de que o arguido foi acusado e, ou, pronunciado – aspeto que traduz uma apreciação diferente da mesma matéria de facto e de direito objeto da decisão (absolutória) recorrida e que é inerente à natureza do recurso penal para as relações enquanto recurso de substituição ou de reexame (mas o mesmo já não ocorre na revista alargada para o Supremo, conforme previsto no artigo 434.º do Código de Processo Penal)".
Não é certo que alguém consiga perceber aquilo que o "juiz" Pedro Machete acabou de escrever num só parágrafo porque, quando se chega ao fim, qualquer pessoa normal já se esqueceu daquilo que leu no princípio. O "juiz" Machete escreveu 125 palavras sem parar, sem um período, um simples ponto final. Alguns estudos sugerem que uma pessoa normal tem capacidade para reter até cerca de 30 palavras de cada vez. Mas o "juiz" Machete escreveu quatro vezes mais sem qualquer consideração pelo leitor.
Por isso, é o próprio "juiz" Machete que tem de nos anunciar de que é que estava a falar porque até aí, provavelmente, ninguém tinha percebido de que é que ele estava a falar.
Estava a falar da absolutização do direito ao recurso:
"O resultado é a absolutização do direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição: tal direito fica, assim, imunizado contra restrições legais e, em caso de colisão com outros bens constitucionais, deve prevalecer sempre. Ou seja, a referida garantia processual, considerada de per si, em abstrato, é, ela própria erigida como um valor final, autónomo e absoluto (v., em especial, os n.ºs 10 e 11 da decisão, e o próprio dispositivo, apesar do que se refere na parte final do n.º 12). Consequentemente, deixa de haver espaço para ponderações e o princípio da proporcionalidade já não pode ser convocado como parâmetro de legitimidade constitucional".
Falar sem parar (verborreia) e escrever como fala são duas características do trapalhão, mas nenhuma delas é a principal. A principal é a confusão de espírito, a baralhação das ideias, a incapacidade para distinguir aquilo que é importante daquilo que é acessório, o principal do secundário, o essencial do pormenor.
Quem conseguir compreender a argumentação do "juiz" Pedro Machete vai chegar à conclusão que ele é contra o teor do acórdão 31/2020 por duas razões principais
(i) porque a importância que o acórdão dá aos direito constitucionais [no caso, ao recurso], limita a liberdade de o Estado legislar sobre outras matérias;
ii) porque o reconhecimento do direito constitucional ao recurso promove a demora da justiça.
Os dois argumentos são bem paradigmáticos do calibre intelectual dos "juízes" do Tribunal Constitucional e da sua cultura profundamente anti-democrática.
As constituições modernas - de que a primeira é a americana - fizeram-se precisamente para limitar os poderes do Estado, isto é, a possibilidade de o Estado legislar sobre certas matérias, como a vida e a esfera privada dos cidadãos. Aquilo que o "juiz" Pedro Machete está a propor é o regresso ao Estado absoluto, que hoje pisa o direito ao recurso em nome da economia de trabalho no Supremo, amanhã pisa o direito à vida dos velhos em nome da economia na segurança social e depois de amanhã pisa o direito à liberdade de expressão em nome da conformidade e da paz social.
Os direitos constitucionais modernos fizeram-se para proteger os cidadãos contra os abusos do poder do Estado. Mas o "juiz" Machete possui acerca deles uma concepção oposta e totalitária. Para ele, os direitos constitucionais são empecilhos que impedem a expansão dos poderes do Estado.
Quanto ao argumento de que se deve negar o direito ao recurso aos guardas da GNR, e a quem estiver na situação deles, em nome da celeridade da justiça, é um argumento igual e absolutamente inaceitável. Por essa estrada, a maneira mais rápida de fazer justiça é abdicar do próprio julgamento, apontar o dedo na rua a uma pessoa e pô-la imediatamente na prisão. Não existe maneira mais rápida de fazer justiça.
A melhor maneira de promover a celeridade da justiça não é abdicar dos direitos constitucionais, mas extinguir o Tribunal Constitucional, acabar com essa casta de pequenos ditadores, essa corporação de trapalhões que anda há sete anos a discutir a constitucionalidade de uma lei e, ao final deste tempo todo, ainda não sabe o que dizer - na realidade diz hoje uma coisa e amanhã o seu contrário. É assim a "jurisprudência" quando ela fica entregue, não a verdadeiros juízes, mas a marçanos da judicatura.
(Continua)
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