10 outubro 2024

A Decisão do TEDH (374)

 (Continuação daqui)



374. Antero de Quental

Num post anterior referi um acontecimento marcante da repressão à liberdade de expressão em Portugal - o encerramento das Conferências do Casino em 1871.

Esse encerramento foi decretado depois da apresentação por Antero de Quental de um brilhantíssimo ensaio com o título "As causas da Decadência dos Povos Peninsulares" (cf. aqui) onde, retomando ideias desenvolvidas por Alexandre Herculano - o maior intelectual liberal português do século XIX - apresentava um certíssimo diagnóstico acerca da perda de influência de Portugal e Espanha no mundo a partir do século XVI.

A repressão às ideias e à inteligência de que falava Antero fez com que a mesma tese viesse a ganhar reconhecimento internacional, não com o seu nome, mas com o nome do sociólogo alemão Max Weber no livro "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo". Por cá, uns anos antes, Herculano dava o último suspiro proferindo a célebre frase "Isto até dá vontade de morrer" e Antero punha fim á própria vida num banco de jardim de Ponta Delgada, nos Açores.  

Antero é implacável em relação aos jesuítas, e são os jesuítas que estão hoje de volta, mais influentes do que nunca, na figura do Papa Francisco e, a nível doméstico, em figuras com o porta-voz laico da Igreja Católica, o juiz Pedro Vaz Patto, que pertence a uma movimento católico que já apelidei como "os jesuítas de saias" (cf. aqui).

A ciência moderna é também um tema central no ensaios de Antero e esta semana têm estado a ser anunciados os Prémios Nobel da Ciência. Como é habitual, não existe um só oriundo dos países católicos do sul da Europa (Portugal, Espanha ou Itália) ou dos seus descendentes da América Latina. Mesmo a Economia não tem um só representante nestes países.  (Neste último domínio, eu receio que qualquer economista capaz de ganhar o Prémio Nobel em algum destes países, antes de o conseguir, acabará na prisão).

É este o legado do catolicismo contra a cultura e as instituições de uma sociedade livre - um deserto científico e de ideias. E, não conseguindo sobrepor-se pela força das ideias, sonha em pôr os liberais na prisão, na década de 1870, como agora, passados 150 anos.

Felizmente, agora existe o TEDH e outras instituições liberais internacionais (cf. aqui) para contrariar aquele que é para Fernando Pessoa, e também para Salazar e para mim próprio, o maior defeito da cultura portuguesa, também ele associado à cultura católica saída do Concílio de Trento - o seu provincianismo.  

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