(Continuação daqui)
366. A ameaça católica
Os EUA são o primeiro país do mundo a nascer como uma democracia liberal, um produto da chamada cultura WASP - White, Anglo-Saxonic and Protestant. Escusado será dizer que, entre os dois candidatos que agora disputam a presidência dos EUA, o mais representativo dessa cultura original americana é Donald Trump.
A insistência de Trump com o muro na fronteira do México tem um significado cultural que não tem sido discutido. Essa não é uma fronteira qualquer entre dois países. Essa é a fronteira que separa o protestantismo do catolicismo no continente americano. A norte dessa fronteira, estão os EUA e o Canadá tocados pela influência protestante; a sul, o México e todos os demais países da América Latina, profundamente católicos em resultado da colonização espanhola e portuguesa.
(Na Europa, essa fronteira é mais diluída. É a França, o país onde conflituaram as duas culturas, o protestantismo a norte e o catolicismo a sul).
Essa fronteira serve também para contrastar os avanços civilizacionais de uma e outras dessas sub-culturas do cristianismo. Sem exagero, pode dizer-se que praticamente todos os avanços civilizacionais dos últimos séculos vieram dos países protestantes da Europa do norte ou dos seus descendentes na América do Norte: o automóvel, o avião, o telemóvel, as vacinas-covid e outras, as mais modernas tecnologias da saúde, a inteligência artificial, o ar condicionado, a internet, a própria democracia política. A superioridade é arrasadora. Pelo contrário, aquilo que tem caracterizado os países católicos do sul da Europa e seus descendentes na América Latina é uma espécie de abulia intelectual, uma radical incapacidade para pensar algo de novo.
Em termos económicos, os EUA são um verdadeiro milagre. Eles vieram resolver um problema que a humanidade procurava solucionar desde que se conhece - o problema de como tirar, em massa, o homem da miséria. Não surpreende que na fronteira do México com os EUA ninguém a queira passar de norte para sul, mas, ao contrário, são multidões que a querem cruzar de sul para norte. A solução deste milagre chama-se liberalismo económico.
É dessa fronteira que vem a maior ameaça à cultura WASP que fez dos EUA a maior potência da humanidade. Ao tempo da Declaração de Independência (1776), o catolicismo estava proibido em Inglaterra e, portanto, era praticamente insignificante na sua colónia americana. Hoje, os católicos representam cerca de 23% da população americana, a maior denominação religiosa existente no país, só excedida pelo conjunto das denominações protestantes.
Quando um dia o catolicismo se tornar maioritário nos EUA, não é só a liberdade de expressão que desaparece. São todos os valores liberais como a liberdade de iniciativa económica, o espírito criativo, a separação entre o Estado e a Igreja, a limitação dos poderes do Estado. De uma sociedade vibrante e inovadora, onde se privilegia a riqueza, os EUA tornar-se-iam como o México, o Brasil ou a Argentina, países abúlicos a confortar os pobrezinhos, e que não produzem nada de novo.
É apenas um pequeno indício, mas as três universidades que até à data deram relevo, através de publicações na internet, à Decisão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal - um caso de triunfo da liberdade de expressão - todas elas têm uma filiação protestante: Columbia University, EUA (anglicana), Syracuse University, EUA (metodista), Ghent University, Bélgica (luterana). Quanto a universidades católicas envolvidas, só mesmo aquela que me perseguiu - a Católica do Porto. E também a de Coimbra, igualmente fundada pela Igreja Católica, cujo director protagonizou um dos episódios mais caricatos de todo o processo (cf. aqui).
(Continua acolá)
Sem comentários:
Enviar um comentário