28 setembro 2024

A Decisão do TEDH (359)

 (Continuação daqui)



359. A dirigir a inspecção a si próprio


Trapaceiros, mentirosos e impostores eu nunca tinha visto tantos por hora e por metro quadrado como em plena sala do Tribunal de Matosinhos quando fui julgado, e eram quase todos agentes da justiça (cf. aqui). Mas aquilo que me chocou mais foram as situações de conflito de interesses em que eles viviam.

Estes mesmos profissionais da justiça que, nos tribunais, exigem, ao ponto do terror, que o cidadão comum cumpra todas as regras ao mais ínfimo detalhe, julgam-se uma casta com direito a viver acima das regras básicas da convivência humana.

A primeira situação de conflito de interesses que encontrei e que me deixou abismado foi aquela mesma que me levou a tribunal - o Paulo Rangel, enquanto eurodeputado, andava de pasta na mão a angariar negócios para a sociedade de advogados de que era sócio.

Mais adiante, vi outra que me deixou estarrecido e que relatei no post "hereges" (cf. aqui). Os directores da Cuatrecasas-Porto eram também directores da Associação Comercial do Porto (ACP) e, ao mesmo tempo, a Cuatrecasas-Porto era fornecedora de serviços jurídicos à ACP.

Quando o processo chegou ao Tribunal da Relação do Porto e conheci o currículo público dos dois juízes que me condenaram fiquei sem respiração. Um decidia casos a favor da mulher, enriquecia com processos por difamação a quem lhe aparecia pela frente e, na qualidade de inspector judicial, pressionava juízes a decidirem a seu favor em processos em que ele próprio era parte; o outro era colega do Paulo Rangel numa IPSS e ocupava múltiplos cargos de direcção na Igreja Católica, em violação do princípio da imparcialidade a que estava obrigado e do princípio democrático da separação entre o Estado e a Igreja.

Uma grandiosa situação de conflito de interesses na justiça está aí agora a chegar. A semana passada, o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), presidido pela Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, anunciou uma inspecção extraordinária ao DCIAP sobre "processos geriátricos" (sic) (cf. aqui), isto é, os processos que se arrastam neste departamento do Ministério Público anos e anos sem nunca conhecerem um desfecho,  arruinando a reputação e a vida de cidadãos inocentes.

Ora, em seis dos últimos 12 anos, o director do DCIAP foi o procurador Amadeu Guerra, ontem anunciado como  novo PGR, com tomada de posse marcada para o próximo dia 12 de Outubro.

Quer dizer, em breve vamos ter, sob o alto patrocínio da CSMP, presidido pelo Procurador-Geral da República,  Amadeu Guerra, uma grandiosa inspecção extraordinária ao DCIAP que, em metade do período inspeccionado, teve como director o magistrado Amadeu Guerra.

Vai ser uma bonita inspecção, vai... o magistrado Amadeu Guerra a dirigir a inspecçao a si próprio...

(Continua acolá)

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