Estava sentado numa esplanada da rua de Cedofeita, a saborear um delicioso gelado de coco e chocolate branco, quando vi o Diabo. Apareceu na figura de uma esbelta mulher, inteiramente vestida de negro, com uma frondosa cabeleira preta pintada de azul-celeste no topo.
No seu metro e oitenta, pensei que a menina tivesse roçado o cocuruto do crânio no azul da troposfera, arrastando uma breve promessa de futuro para um presente deprimido pela negritude da indumentária.
Levantei-me de um salto e pedi-lhe que me deixasse tirar-lhe uma fotografia para a minha série NEGRA — uma coleção de fotos com memórias da deprimente época em que vivemos.
— Posso tirar-te uma fotografia? – perguntei-lhe.
— O que é que eu lucro com isso? – respondeu-me de imediato.
— Um gelado à tua escolha...
Respondeu com uma gargalhada irónica enquanto fazia um gesto de enfado.
— Esquece – disse num tom de voz enfastiado, enquanto se esgueirava da minha vista.
Ao afastar-se tirei-lhe de novo a medida; caminhava de forma desengonçada arrastando um saco ao ombro que parecia de sarapilheira. Vi-a parar para acender um cigarro e, logo de seguida, sacudir as havaianas da poeira do caminho.
Voltei ao gelado de coco e chocolate, enquanto continuava a observar a quantidade de “negreiras” que passavam. ‹‹A moda da roupa preta transcende as gerações e as classes sociais›› — pensei.
— Ouve lá otário, ainda me pagas um gelado?
O Diabo de Negro tinha regressado. Não é necessário um doutoramento em estudos evangélicos para perceber que o Diabo nunca desiste. Desperta-te a atenção, evade-se, regressa e lança de novo a sua rede.
No Médio Oriente o Demiurgo é conhecido por Satã e os islamistas chamam “Grande Satã” aos EUA porque as artes negras do Demónio seduzem os incautos e arrastam-nos para a condenação eterna do Inferno.
Eu também me sentia atraído por esta mulher, não pelo seu aspecto mas pelo mistério. A Diaba quer dar nas vistas, mas não se distingue das tribos de renegados da espécie humana.
— Claro que sim — vai escolher e senta aqui comigo.
Voltou com um cone de gelado impetuoso, volumoso e furta-cores.
— Estou esfomeada, a ganza deu-me uma larica que não estás a ver – disse a Diaba com um sorriso.
‹‹Estou a ver mas é um monte de tatuagens com signos do zodíaco e piercings nas orelhas, no nariz e na língua›› – pensei.
— Qual é o teu signo? – perguntei-lhe.
— Sou Virgem e tu?
— Peixes...
— És um romântico – comentou, enquanto revirava os olhos a consultar algum mapa astral que teria interiorizado.
— Para que é que queres as fotografias? – perguntou-me.
— Estou fascinado com a roupa negra e quero perceber a origem deste fetiche, porque é que tanta gente anda de preto?
— Ninguém anda a pensar nessas merdas, tu é que és tarado...
— Talvez...
O gelado estava a acabar, a Diaba lambia-o com avidez enquanto me fixava nos olhos e expunha, com orgulho, as potencialidades do piercing prateado da língua.
— Se o preto não faz o teu gosto eu posso tirar o vestido para as tuas fotos, mas vai-te sair mais caro.
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