Eu gostaria agora de comentar o tombo do Chega nas eleições europeias do passado domingo, na qualidade de seu militante (cf. aqui).
De certo modo, eu ansiava um resultado destes em algum momento do futuro próximo do Partido, a fim de que ele pudesse mudar e corrigir a sua trajectória mais recente. Ainda bem que aconteceu nas eleições europeias, que não são as mais importantes das eleições.
O principal problema do Chega neste momento é o seu próprio presidente, André Ventura, não porque eu julgue que existe melhor candidato para liderar o Partido, mas porque o André Ventura precisa de mudar. O sucesso do passado não é garantia de sucesso no futuro, como os resultados de domingo passado vieram mostrar.
Foi o André Ventura o principal protagonista que conduziu o Partido ao histórico resultado de 18% nas últimas eleições legislativas. Ele é agora o maior factor de risco para a implosão do Partido. Depois de um crescimento fulgurante, o Chega corre o risco de acabar como o PRD dos anos oitenta.
O principal problema do André Ventura é que não gosta de dar protagonismo a ninguém e sente-se ameaçado por todos aqueles que ganham, ou possam ganhar, alguma relevância no Partido. Aquilo que se passou com o embaixador Tânger Correia é disso um exemplo paradigmático.
Todos os partidos foram para as eleições europeias com candidatos já conhecidos mediaticamente. Aconteceu com o PS, a AD, a IL, o BE, a própria CDU. A única excepção foi o Chega, que é o terceiro maior partido do país.
O Chega lançou um candidato praticamente desconhecido e isto não representa uma crítica ao candidato que, sendo embaixador de carreira, teve sempre uma vida pública discreta e longe dos holofotes mediáticos. Representa uma crítica à direcção do partido e, em particular ao seu presidente, que se fecha sobre si próprio e não ouve ninguém quando se trata de escolher candidatos a eleições e de os promover.
Do ponto de vista técnico, o embaixador Tânger Correia era, de longe, o candidato mais competente, mais bem preparado e mais experiente dentre todos os candidatos dos diferentes partidos em matéria de política europeia e até mundial, e que há muito era vice-presidente do Chega. Então o que é que falhou?
Falhou o facto de ele nunca ter sido promovido pelo Partido e alavancado junto da comunicação social em preparação para estas eleições europeias. E isso deve-se a que o André Ventura não gosta de promover ninguém dentro do Partido, excepto a si próprio.
Foi penoso ver as cidades do país inundadas de cartazes publicitários com os cabeças-de-lista de todos os partidos, e no caso do Chega os cartazes aquilo que mostravam era o seu presidente que, na instância, não era candidato a coisa nenhuma. E mesmo quando, sob forte pressão e à última da hora, foram feitos flyers e cartazes com o candidato do Chega às europeias, ele tinha lá ao seu lado, para não se sentir sozinho, o presidente do Partido.
O grande sucesso das eleições legislativas de Março passado corre o risco de ter sofrido uma irreparável inversão nestas eleições europeias. Para as legislativas, os portugueses estavam desejosos de mudança, após mais de oito anos de governos PS. Quanto mais um partido berrasse mais esperança dava aos eleitores de que a mudança iria acontecer, e o Chega berrava como nenhum outro.
A mudança aconteceu, existe um novo partido no poder e um novo primeiro-ministro. Berrar já não garante o sucesso do passado. O Chega tornou-se o terceiro maior partido do país e agora espera-se dele, não berraria, mas propostas de governação. Mas o Chega tem dois handicaps para o conseguir.
O primeiro é a falta de estruturas. O Chega é um partido sem estruturas. As poucas que tinha, como o Gabinete de Estudos e a Comissão Política Nacional, foram desfeitas em razão do último chumbo do Tribunal Constitucional aos estatutos do Partido. Mas já poderiam ter sido reconstruídas há muito.
Não foram porque o Chega, sob a inspiração do seu presidente, fomentou uma cultura interna de anti-intelectualismo e de anti-profissionalismo talvez porque receie que qualquer representante das profissões intelectuais (académicos, engenheiros, economistas, gestores, juristas como ele, etc.) lhe faça sombra e que a discussão livre das ideias perturbe a ordem institucional do Partido.
O segundo handicap é a desorientação ideológica em que o Partido caiu a partir das últimas eleições legislativas. O Chega nasceu como um Partido conservador-liberal, conservador nos costumes, liberal na economia. Mas nas últimas eleições legislativas, o seu programa virou consideravelmente à esquerda, tornando-se um programa que, na economia, é vincadamente social-democrata, e noutros sectores, como quando se refere aos animais, uma mera imitação do PAN.
Os portugueses já têm dois partidos sociais-democratas, que são o PS e o PSD, e não precisam de um terceiro. Na ânsia de agradar a todos, o Chega perdeu identidade ideológica. Por isso, enquanto todos os partidos da direita conservadora-liberal subiram nas últimas eleições na Europa, o Chega caiu para metade da sua votação nas legislativas.
Nós vivemos num período de grande especialização, que é aquilo que permitiu o elevado nível de vida de que hoje dispomos na Europa. O oficial dos sete ofícios já não tem futuro. O partido das sete ideologias também não.
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