(Continuação daqui)
200. A Cuatrecasas e as crianças
Existem alguns indícios que sugerem que, quando a sociedade de advogados Cuatrecasas se encontra com uma instituição destinada a ajudar crianças, e há dinheiro metido pelo meio, o fim é trágico - para as crianças, bem entendido.
O ano de 2015 foi, a este propósito, muito ilustrativo. Foi um ano em que, de um lado e do outro da Península Ibérica, nas cidades do Porto e de Barcelona, a Cuatrecasas tinha em curso processos que, tudo devidamente legal, culminaram da mesma maneira - dinheiro que era destinado a crianças acabou nos cofres da Cuatrecasas.
No Porto a história é conhecida. Eu era nessa altura presidente da Associação Joãozinho, a qual se propunha construir - e, na realidade, começou a construção - da ala pediátrica do Hospital de S. João por via mecenática. No ano de 2015 não apenas a Cuatrecasas estava empenhada em impedir o avanço da obra, como me pôs um processo judicial no qual eu viria a ser condenado a pagar-lhe em indemnizações, e ao seu director, perto de 20 mil euros. O TEDH veio agora dizer que eu não cometi crime nenhum pelo que o pagamento que efectuei à Cuatrecasas e ao seu director foi pura extorsão.
A conclusão principal é, portanto, a seguinte. Dinheiro que eu teria destinado às crianças acabou indevidamente nos cofres da Cuatrecasas. Mas foi tudo legal como é próprio de um Estado de Direito.
Nessa ano estava em curso em Espanha uma operação da mesma natureza mas com muito maior dimensão, envolvendo o futebolista Lionel Messi, na altura jogador do Barcelona. A história conta-se em poucas palavras (cf. aqui).
O Barcelona pagava, em parte, o vencimento a Messi através de uma Fundação, não estando essa parte do salário do jogador sujeita a impostos. A Fundação Messi era uma ONG (Organização Não-Governamental) que tinha como objecto social ajudar crianças. Nos termos da legislação aplicável, em cada ano, uma certa percentagem das receitas da Fundação (praticamente todas oriundas do Barcelona) tinha obrigatoriamente de ser utilizada na sua finalidade social, isto é, em benefício de crianças.
Acontece que, por essa altura, Messi estava a responder em tribunal (e acabaria condenado em 2017), por fuga ao fisco em resultado de um esquema fiscal que uma outra sociedade de advogados lhe tinha arranjado e que o Fisco espanhol pôs a descoberto. Messi despediu essa sociedade de advogados e empregou a Cuatrecasas para o defender.
Este processo veio trazer a público praticamente todo o universo de interesses de Messi e a sua respectiva fiscalidade, incluindo a da Fundação que tem o seu nome.
E qual foi a surpresa?
Que nos anos de 2014, 2015 e 2016 na contabilidade da Fundação e na rubrica relativa a dinheiro gasto em benefício das crianças apareciam recibos da Cuatrecasas, relativos a trabalhos de "asesorias sociales" (cf. aqui) que totalizavam meio milhão de euros.
Quer dizer, os honorários da Cuatrecasas relativos à defesa de Messi por fuga ao fisco foram pagos não pelo próprio Messi mas pela Fundação que tem o seu nome. E foram contabilizados como parte das despesas obrigatórias que a Fundação Messi tem de realizar em benefício das crianças para poder continuar a beneficiar do estatuto de ONG.
Conclusão, meio milhão de euros que a Fundação Messi devia ter gasto por lei em benefício das crianças acabaram nos cofres da Cuatrecasas.
É muito perigoso ter dinheiro destinado a crianças ao alcance da Cuatrecasas.
(Continua acolá)
Sem comentários:
Enviar um comentário