(Continuação daqui)
22. A função do padre
Parece uma fatalidade. A democracia só triunfou duradouramente nos países onde o catolicismo foi proibido. Aconteceu assim em Inglaterra, na Prússia e também nos EUA. Na altura da independência dos EUA, o catolicismo estava proibido em Inglaterra e, portanto, também na sua colónia americana. Dentre os Pais Fundadores americanos, apenas um era católico - o aristocrata Charles Carroll of Carrollton (cf. aqui).
A Declaração de Independência começa por dizer que Deus criou todos os homens iguais e com certos direitos inalienáveis e que, entre eles, se encontram o direito à vida, o direito à liberdade e o direito à prossecução da felicidade ("pursuit of happiness"), seguindo para dizer que compete ao Estado proteger esses direitos .
Num país de tradição católica dificilmente uma Declaração de Independência começaria por exaltar os direitos individuais. A razão é que, ao contrário do protestantismo calvinista que esteve na origem dos EUA, o catolicismo não é uma religião individualista, mas uma religião comunitária. No protestantismo incumbe a cada homem chegar a Deus pelo seu próprio pé, ao passo que no catolicismo ele chega a Deus em comunidade, na missa em comunhão com os outros crentes.
Menos ainda, num país de tradição católica, ocorreria exaltar o direito à liberdade. No protestantismo a liberdade é um valor sagrado, a começar pela liberdade de expressão e pensamento que é o caminho para cada um chegar a Deus. No catolicismo chega-se a Deus pela autoridade do padre, que é o intermediário entre o homem e Deus. Para o catolicismo a liberdade é o diabo, sobretudo a liberdade de expressão, porque é ela que permite criticar a autoridade e destruí-la.
Porém, de todo, aquele direito que não ocorreria a ninguém num país de tradição católica pôr numa Declaração de Independência ou numa Constituição é o direito à prossecução da felicidade. Este direito presume que cada homem pode saber o que é a felicidade e encontrar o caminho para lá chegar, e é isso que faz o protestantismo. O catolicismo não acredita que o homem do povo (o leigo, o ignorante) tenha essas capacidade. Para chegar à felicidade e a Deus, o homem do povo precisa de alguém, uma autoridade, que lhe diga o que isso é e como lá chegar.
É essa a função do padre.
Ninguém duvida que a Constituição Americana, que se seguiu à Declaração de Independência, seja uma Constituição Democrática. Aquilo que se pode duvidar é que, perante uma tão grande diferença de valores culturais, um país católico, como Portugal, que se proponha escrever uma Constituição democrática, imitando a tradição protestante o consiga fazer.
Aconteceu a Portugal. A Constituição Portuguesa de 1976 é de um provincianismo atroz.
(Continua acolá)
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