(Continuação daqui)
51. Os mais provincianos
Eu gostaria agora de me referir a uma outra expressão que aparece no § 62 do acórdão do TEDH (cf. aqui) e que oferece mais um elemento caracterizador da cultura protestante e de democracia política que dela emergiu.
É a seguinte:
"Such are the demands of pluralism, tolerance and broadmindedness without which there is no “democratic society”.
Refiro-me em particular à abertura de espírito ("broadmindedness").
A democracia política é um regime próprio de uma sociedade aberta (no sentido de Karl Popper), cosmopolita, tolerante e plural onde cada pessoa prossegue os fins que se propõe na vida e aceita que, ao seu lado, haja outras que prosseguem fins totalmente diversos e até opostos, desde que sejam pacíficos.
A democracia não vinga em sociedades fechadas que prosseguem fins comuns, como uma família, uma empresa ou uma corporação, e muito menos em gangues ou em máfias. Aí tem de haver um chefe, um pai, um papa, um patrão, um capo, um padrinho.
Durante o meu julgamento no Tribunal de Matosinhos apercebi-me a certa altura que um número inusitado de testemunhas de acusação vinham da Universidade Católica do Porto, a tal ponto que lhes dediquei uma série de posts, em vésperas de ser produzida a sentença, com o título "O Gangue da Católica" (cf. aqui).
Mais tarde, o processo subiu à Relação do Porto, onde a condenação de primeira instância viria a ser agravada. Verifiquei então que o juiz-relator, Pedro Vaz Patto, também se formara na Católica (cf. aqui).
Eu sabia desde há muito que, enquanto académico, tinha uma grande adversidade dentro da Universidade Católica do Porto, talvez porque lá se formam muitos socialistas e eu era considerado um economista liberal. Nunca me ocorreria, porém, transformar uma adversariedade académica num processo criminal.
Esta constatação foi o primeiro sinal que me levaria a elaborar mais tarde sobre a cultura jurídica vigente em Portugal, e me conduziria à conclusão de que é uma cultura imensamente provinciana. Como ainda recentemente tive oportunidade de afirmar, os juristas são os mais provincianos de todos os profissionais de colarinho branco que existem no país (cf. aqui).
É uma grande ironia e uma vergonha ainda maior que, num processo em que estavam envolvidos tantos juristas contra mim, uns organizados em gangue, outros talvez não, acabaria por ser eu, que nem sequer sou jurista, a ganhar o processo.
A democracia não é para provincianos - é uma das muitas mensagens do acórdão do TEDH para Portugal.
(Nota: É uma sinal preocupante que no próximo governo de Luís Montenegro, entre os 18 ministros, dez ou 55% sejam juristas. Nada vai mudar no país)
(Continua acolá)
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