29 fevereiro 2024

Mil e uma (17)

 (Continuação daqui)



17. Corrupção

A corrupção destrói qualquer regime político, mas é particularmente corrosiva num regime democrático, porque a democracia nasceu largamente pela revolta do povo contra a corrupção que grassava em torno do poder absoluto dos reis. Na frase memorável de Lord Acton: "Todo o poder corrompe mas o poder absoluto corrompe absolutamente".

Quem consultar os Índices de Percepção da Corrupção publicados anualmente pela Transparency International (cf. aqui) vai verificar que, no âmbito das civilização ocidental ou cristã, os países menos corruptos, tal como vistos pela sua própria população, são os países tocados pelo protestantismo, como a Dinamarca, a Finlândia, a Nova Zelândia ou a Noruega.

Pelo contrário, os países católicos do sul da Europa, como Portugal, Espanha ou Itália, e mais ainda os seus descendentes na América Latina, têm índices de corrupção muito mais elevados. Esta percepção de uma corrupção elevada nos países católicos põe seriamente em risco a democracia nestes países 

Portugal não é excepção. A corrupção é mesmo um dos temas centrais da campanha eleitoral para as eleições do dia 10 de Março com um partido fora do sistema (Chega) a eleger como bandeira eleitoral o combate à corrupção produzida pelos dois partidos do sistema (PS e PSD) que, em alternância, têm governado o país desde a implantação da democracia.

A questão é esta: Por que é que a corrupção, que é um factor de risco para a democracia, é mais prevalecente nos países católicos do que nos protestantes?

A causa próxima da revolta protestante de Lutero foi a questão das indulgências. A Igreja precisava de dinheiro para a reconstrução da Basílica de S. Pedro em Roma e decidiu vender a "salvação pessoal". Quem pagasse o suficiente ficava com o cadastro limpo junto de Deus e conquistava a vida eterna.

Foi um dos momentos mais baixos da Igreja Católica e que ela viria a pagar muito caro. Ainda hoje, a estupefacção não pode ser maior: os padres, chefiados pelo Papa, na qualidade de corruptores activos,  a corromper o próprio Deus, na situação de corruptor passivo. 

Nunca visto.

Na altura, a Igreja Católica considerava que a salvação se obtinha pela graça de Deus, isto é, pela Sua misericórdia, mas também pelas obras, sendo estas, entre outras, as obras de caridade realizadas ou pagas pelo pecador.  Por outras palavras, podia-se comprar a salvação, e as indulgências, na realidade, não representavam outra coisa.

Os protestantes viriam a opor-se fortemente a esta doutrina, afirmando que a salvação só se obtém pela graça de Deus (o princípio protestante Sola Gratia), não pelas obras. Por outras palavras, o céu não está à venda.

Somente em 1999, a Igreja Católica aderiu à doutrina protestante e ao princípio Sola Gratia. Durante séculos, o povo católico foi doutrinado no sentido de que, se fizesse uma contribuição para a Igreja ou para uma qualquer obra de caridade, os padres actuariam junto de Deus para que este lhe limpasse os pecados e lhe concedesse a vida eterna.

Ora, uma cultura onde é possível até corromper Deus, é uma cultura que muito mais facilmente corrompe os homens. Está aqui a origem das elevadas percepções de corrupção nas democracias católicas, que só contribuem para o seu descrédito.

(Continua acolá)

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