27 fevereiro 2024

Mil e uma (10)

 (Continuação daqui)




10. Lei, Legislação e Liberdade

Já numa fase muito avançada da sua vida, o economista Friedrich Hayek escreveu uma trilogia que procurava sintetizar o seu pensamento liberal: "Law, Legislation and Liberty".

A tese do livro, escrito em três volumes, está praticamente no título. A Liberdade é garantida pela Lei, sendo a Legislação contrária à Liberdade.

A Lei inclui as regras de justa conduta, geralmente possuindo um carácter negativo (não se pode fazer isto ou aquilo) que garantem a Liberdade (v.g., proibição de matar). A Legislação, pelo contrário, inclui comandos, geralmente possuindo um carácter positivo (tem de se fazer isto ou aquilo)  que restringem a Liberdade (v.g., legislação do salário mínimo).

A Lei resulta de um processo evolutivo da civilização a que se chama Tradição, um processo em que sucessivas gerações vão transmitindo às gerações seguintes um conjunto de regras de conduta favoráveis à sua sobrevivência e prosperidade. A Legislação, pelo contrário, é obra de juristas.

É lamentável que só bastante mais tarde após a publicação deste livro, só mesmo no final da sua vida, Hayek tenha deixado de esconder as suas raízes católicas (ele nasceu numa família aristocrática e católica de Viena de Áustria). A razão é que, se as tivesse revelado, provavelmente nunca teria ganho o Prémio Nobel da Economia ou prosperado academicamente nos meios anglo-saxónicos e protestantes de Inglaterra e EUA.

A importância desta omissão (durante toda a sua vida Hayek declarou-se agnóstico e chegou a invocar origens remotas de natureza judaica), está em que, quem guarda a Tradição na civilização ocidental, é a Igreja Católica. O protestantismo rejeita a Tradição como fonte da palavra de Deus e atribui valor somente às Escrituras.

Segue-se, então, que, segundo a tese de Hayek, a Liberdade está na cultura católica porque foi a Igreja Católica que  guardou as Leis que a tornam possível. 

Compreende-se agora também a tensão latente entre a cultura católica e a classe socio-profissional dos juristas, e esta tensão resulta não apenas de terem sido juristas (Lutero e Calvino) os principais líderes do protestantismo.  

A razão principal é outra. Para a Igreja Católica as verdadeiras Leis, como aquelas que garantem a Liberdade, estão na Tradição e são, portanto, obras de Deus. Pelo contrário, as "leis" feitas pelos  juristas - a chamada Legislação -, não apenas representam uma inaceitável pretensão dos juristas de se equipararem a Deus, como destroem a Liberdade. 

A cultura católica é incompatível com o activismo legislativo que é próprio das democracias. O desprestígio a que chegou o sistema de justiça em Portugal está aí para o demostrar. 

A própria Igreja Católica não possui qualquer assembleia legislativa nem precisa de juristas porque o seu legislador é Deus e está na Tradição.

(Continua acolá)

Sem comentários: