05 fevereiro 2024

A crise da democracia partidária (3)

(Continuação daqui)




3. Mulheres a chefiar partidos

Quanto mais católico é o meio, maior a adversidade aos partidos. Os meios mais católicos de Portugal são as Ilhas e, no Continente, o Norte.

Assim aconteceu ontem nos Açores, onde metade da população virou as costas aos partidos. A taxa de abstenção foi de 49,7%.

Um outro dado das eleições açorianas merece referência em relação com a cultura católica dos portugueses, e com a sua expressão acrescida nos Açores.

Refiro-me à queda do Bloco de Esquerda, que passou de 3,8% em 2020 para 2,5% ontem, perdendo um terço do seu eleitorado, perdendo um deputado (passou de dois para um), e perdendo o próprio grupo parlamentar (cf. aqui). Dir-se-ia, e com razão, que o BE está em vias de extinção nos Açores.

Uma cultura católica não gosta de partidos, mas gosta ainda menos de ver mulheres a chefiar partidos. Colocar uma mulher à frente de um partido num meio muito católico, como são os Açores, é praticamente a receita certa para acabar com o partido.

A explicação é a seguinte. A cultura católica é uma cultura comunitária que visa tornar toda a humanidade uma família. A própria designação de Igreja Católica vem do grego e significa "comunidade universal".

Por um mistério que não é fácil de explicar, quis a tradição popular que se colocasse no centro do catolicismo, que é uma corrente do cristianismo, não a figura de Cristo, que é Deus, mas uma figura de mulher, que nem sequer é deusa - a sua mãe, Maria. A própria Igreja Católica é a figura teológica de Maria.

(O mistério explica-se talvez por o povo considerar que Maria é mais importante do que o Filho porque, sem ela, Ele nunca teria existido).

Ao contrário dos países de cultura protestante e individualista em que a centralidade é dada a uma figura de homem (Cristo), nos países de cultura católica e comunitária, a centralidade pertence à mulher, que é o centro de todas as comunidades, desde a família, que tem no centro a Mãe, passando pela nação que tem como padroeira uma Mulher (Nossa Senhora da Conceição, no caso de Portugal), até à comunidade universal que tem no centro a Virgem Maria.

Na cultura católica a mulher é o símbolo e o paradigma da comunidade.

Ora, introduzir partidos nesta cultura, os quais são a instituição anti-comunitária por excelência - na realidade, como o próprio nome indica, eles visam partir a comunidade em facções ou seitas - é um verdadeiro sacrilégio. E pôr mulheres,  que são o símbolo e o paradigma da comunidade, a dirigi-los é elevar o sacrilégio à sua última potência.  

Num país de tradição católica, quem quiser maximizar a probabilidade de acabar com um partido, não tem nada que se enganar. É pôr uma mulher a dirigi-lo. Não se trata aqui de dizer que os homens não levam partidos à extinção. Claro que levam. É uma questão de grau ou de probabilidade. Trata-se de dizer que a probabilidade é muito maior se forem mulheres. 

Uma outra maneira de apresentar esta conclusão é dizer que pôr mulheres a chefiar partidos é uma maneira de desconsiderar ainda mais uma instituição já de si naturalmente desconsiderada num meio de cultura católica - o partido político. 

(Continua acolá)

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