27 dezembro 2023

Um passo de gigante (145)

 (Continuação daqui)




145. As mais longas penas de prisão 

Aos fins-de-semana e nas semanas mortas do ano, como aquela que está a decorrer, quando nada acontece, e não há noticias para dar, a comunicação social fala de Justiça. 

Antes assim do que nada.

Esta semana tem sido um fartote e, naturalmente, o Ministério Público é o bombo da festa.

A juíza Teresa Almeida dá hoje uma grande entrevista ao Público (cf. aqui). Mas eu devo confessar que a desqualifiquei logo pela apresentação que o jornal faz dela.

Assim:

"Durante mais de 30 anos, Teresa Almeida foi magistrada do Ministério Público, onde dirigiu um dos principais departamentos que investiga a corrupção. Hoje, é juíza do Supremo. Nesta entrevista, reflecte sobre o estado do sector".

Uma acusadora profissional durante 30 anos e que, de repente, passa a juíza, e logo do Supremo. Esta é uma das grandes corrupções da justiça democrática em Portugal, e que está instalada no país sem que ninguém dê por isso,  devido à sua tradição inquisitorial - a promiscuidade entre o acusador e o juiz, traduzida em linguagem oficial no paralelismo das carreiras do Ministério Público e dos juízes.

Em Portugal, um magistrado do Ministério Público pode facilmente passar a juiz. E isso tem algum mal?

Tem e é previsível na carreira da juíza Teresa Almeida. Depois de 30 anos no Ministério Público, ela desenvolveu uma cultura de acusadora que vê em qualquer cidadão que lhe caia nas mãos um potencial criminoso. Nos processos que lhe chegam às mãos no Supremo, ela geralmente conhece os magistrados do MP que fazem a acusação e que frequentemente foram seus colegas de trabalho, ao passo que os advogados de defesa foram os adversários das teses acusatórias que, enquanto procuradora do MP, ela pretendeu fazer vingar nos processos em que participou.

Esta juíza está irremediavelmente enviesada para condenar, não para absolver. No espírito desta juíza prevalece a cultura acusatória em que ela viveu durante 30 anos sobre a cultura de juiz em que ela vive há apenas ano e meio. A primeira é uma cultura de parcialidade, a segunda uma cultura de imparcialidade, e a juíza Teresa Almeida aparenta já não ter idade para mudar. Ela representa a figura moderna do juiz-inquisidor.

A promiscuidade entre acusador e juiz era a característica central da Inquisição. É lamentável vê-la exibida em público séculos depois num país democrático. Ela torna o sistema de justiça um plano inclinado contra o réu e é responsável por Portugal ter as mais longas penas de prisão entre todos os países da União Europeia (cf. aqui).

Os magistrados do Ministério Público pedem penas elevadas de prisão para os réus que, muitas vezes, estão inocentes. E uma magistrada do Ministério Público, agora tornada juíza, só ficará feliz em dar razão aos seus colegas pelos quais, aliás, ela denota uma extrema admiração corporativa: "Sinto nostalgia das equipas fantásticas (do MP) em que estive integrada. Espero que sejam repetíveis. Os magistrados com quem tive o privilégio de trabalhar estão também a criar as suas equipas e com excelentes resultados". 

Se continuarmos por este caminho, que é a tradição da Inquisição, talvez um dia o nosso sistema de justiça penal consiga pôr todos os portugueses na prisão. O Ministério Público acusa e depois um dos seus julga sobre a própria acusação. 

Para já, consegue tornar os portugueses, entre todos os cidadãos da União Europeia, aqueles que mais tempo, em média, permanecem na prisão. É meio caminho andado.

(Continua acolá)

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