O Grito é uma obra do pintor norueguês Edvard Munch (1893) que está em exibição no Museu Munch de Oslo. Nunca tive a oportunidade de a contemplar pessoalmente, mas as reproduções são tão ubíquas que quase toda gente a identifica de imediato.
Munch, com uma história de doenças mentais na família, descreve o momento que o inspirou a pintar “O Grito” como uma visão apocalítica que o tomou quando — ‹‹de repente, o céu ficou vermelho de sangue... com línguas de fogo acima do fiorde azul-escuro e eu fiquei ali tremendo de ansiedade››.
O Grito, de facto, consegue transmitir essa ansiedade, essa crise de pânico, que o Munch sentiu e “descreveu” de forma sublime através da arte.
Contemplando O Grito podemos sentir o pânico como algo quase palpável, como a iminência de um desastre, como a iminência da morte. As pessoas que sofrem de perturbações de ansiedade e que descrevem ataques de pânico explicam que “pensam que vão morrer” e esse pensamento reforça a gravidade dos sintomas.
Pessoas com um fundo ansioso podem confirmar, com a pintura do Munch, que não são caso único e beneficiar até de um efeito suavizante de uma espécie de Ansiosos Anónimos. Ter ansiedade é estar vivo, é partilhar a matriz da natureza humana.
Para outros, O Grito pode ser uma janela para entender as doenças mentais e desenvolver uma atitude mais empática para com as vítimas. Já não mergulhamos à força os “tolos da aldeia em água gelada”, mas também não os tratamos com a dignidade devida a qualquer ser humano.
Nos anos 70, um movimento chamado antipsiquiatria denunciou os métodos da psiquiatria tradicional por tentar “controlar e limitar, à força, os desvios das normas sociais”, sequestrando cidadãos saudáveis e submetendo-os a intervenções problemáticas como os eletrochoques e até lobotomias.
Em 1975, a Faculdade de Medicina de Lisboa convidou o David Cooper, o autor que cunhou o termo “antipsiquiatria”, para uma conferência a que assisti. A sua tese fundamental era que as psicoses eram uma tentativa saudável de lidar com uma sociedade doente. Com 24 anos, eu identifiquei-me de imediato com esta perspectiva.
Foi nessa época que os hospitais psiquiátricos passaram a ser encarados como prisões para onde eram remetidas pessoas saudáveis que se recusavam integrar na sociedade burguesa.
O resultado prático da antipsiquiatria acabou por ser o encerramento dos hospícios psiquiátricos e uma explosão dos sem-abrigo que, rejeitados pela família e sem apoios institucionais, se atiraram para debaixo das pontes.
O Grito pode-nos permitir empatizar mais com os doentes psiquiátricos, são nossos irmãos que estão a sofrer e que não têm as ferramentas mentais necessária para lidar com a situação.
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