13 dezembro 2023

A PERSISTÊNCIA da MEMÓRIA

O TEMPO E O ESPAÇO

 

A Persistência da Memória – Salvador Dali 1931




O surrealismo não me parece desafiar a realidade, apenas encerra os olhos para a realidade exterior para os abrir para o mundo onírico do inconsciente. O seu interesse resulta de partilharmos o mesmo património arquetípico e, portanto, podermos empatizar com os sonhos e até delírios dos nossos semelhantes.

 

Sonhar que caímos (talvez um medo ancestral dos primatas de caírem das árvores), que voamos (desejo de ascensão social ou de realização pessoal), que somos perseguidos (uma memória genética de sermos perseguidos por feras) ou que aparecemos nus em público (quando nos sentimos expostos e vulneráveis), são temas frequentes dos sonhos, que emergem em pinturas surrealistas e que nos sensibilizam porque são universais.

 

O quadro “A Persistência da Memória” do Dali – MOMA de NY* – é composto em redor das noções de TEMPO e de ESPAÇO. Os críticos de arte asseveram que ‹‹Os relógios moles são um símbolo inconsciente da relatividade do espaço e do tempo, uma meditação surrealista sobre o colapso de nossas noções de uma ordem cósmica fixa››.

 

Não concordo com a ideia de um colapso das nossas noções de tempo e espaço, apenas considero que no nosso inconsciente essas noções são diferentes. Podemos sonhar com episódios da infância que ocorreram (tempo) a milhares de quilómetros de distância (espaço) e percebê-los como actuais. Mas quando acordamos, claro está, o relógio continua na mesinha de cabeceira.

 

Quando pensamos, também podemos eliminar, em termos abstratos, o tempo e o espaço, e desenvolver conceitos e ideias intemporais e deslocalizadas. Talvez a ideia de alma emane dessa nossa capacidade e do contraste com a realidade percebida pelos sentidos.


No mundo material toda a causalidade depende do tempo e do espaço na ocorrência de qualquer evento. A causa B, numa certa altura e num certo lugar.

 

Na nossa mente, e quando eliminamos o tempo e o espaço, libertamo-nos da causalidade material e adquirimos livre-arbítrio. Afirmar que “Aristóteles é um grande filósofo” é uma ideia intemporal e deslocalizada que não está submetida às leis da causalidade. É puro logos, um “atributo da alma humana”, livre para voar enquanto o nosso corpo continua dependente da causalidade material.

 

A “Persistência da Memória”, que contemplei no MOMA, é uma das pinturas surrealistas que mais nos pode inspirar a perceber a natureza da liberdade humana.


* Reprodução ao abrigo do "Fair use"

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