22 novembro 2023

Um passo de gigante (64)

 (Continuação daqui)



64. O juiz-inquisidor

A maneira como o juiz Manuel Soares, presidente do sindicato dos juízes, veio a público defender o Ministério Público das críticas que sobre ele impendem no rescaldo da Operação Influencer (cf. aqui), é muito significativa do carácter corporativo da Justiça e da cultura inquisitorial que nela persiste.

Em Portugal, existe uma grande promiscuidade entre os procuradores do Ministério Público e os juízes - uma promiscuidade entre acusador e juiz que é típica da Inquisição - e que se manifesta de várias maneiras, uma das quais é a promiscuidade entre a carreira de procurador do MP e a carreira de juiz.

Muitos dos juízes portugueses vêm do Ministério Público, de maneira que, quando defende o Ministério Público, o juiz Manuel Soares está também a defender a sua própria corporação. De algum modo, ele sente que o fogo que atinge o Ministério Público está também a chegar aos juízes.

E tem razão. Muitos dos males da justiça portuguesa, alguns já patentes na Operação Influencer, resultam da promiscuidade entre procuradores do MP e juízes.

Num julgamento, que é o acto supremo do processo judicial, o procurador do MP é o acusador. Ele é uma parte no processo e, como tal, ele é parcial, a outra parte sendo a defesa, igualmente parcial. Pelo contrário, ao juiz, numa justiça democrática, cabe-lhe ser imparcial, que é exactamente o oposto daquilo que são o acusador e o defensor (parciais) .

Um magistrado do Ministério Público que durante anos de exercício da sua profissão desenvolveu uma cultura de parcialidade acusatória tem muita dificuldade, ao final de todos esses anos, de adoptar a cultura de imparcialidade que é própria de um juiz. A consequência é avassaladora: este homem (ou mulher) tem tendência a condenar inocentes, o pior erro (na realidade, crime) que  ajustiça pode cometer.

Eu julgo que, hoje, praticamente todos os males da justiça portuguesa, que são muitos - é o pior e o mais corrupto sector da vida pública portuguesa - encontram fundamentação e exemplos concretos neste blogue. E a figura do juiz-acusador também.

O caso envolve um juiz que veio do Ministério Público, precisamente um daqueles colegas que o juiz Manuel Soares visa proteger quando defende o Ministério Público das críticas públicas que lhe têm sido feitas nas últimas semanas.

Chega-se ao final do julgamento e o juiz descarta todas as acusações que o Ministério Público e a acusação particular tinham imputado ao réu, provavelmente com o propósito de transmitir uma imagem de independência em relação à corporação de onde ele próprio provinha - o Ministério Público.

Mas o juiz estava sob pressão para condenar o réu, desse por onde desse, porque era isso que lhe pedia a  sua alma mater. E o que fez o juiz?

Decide ele próprio imputar um acto criminoso ao réu. E faz mais. Imputa esse acto durante a leitura da sentença, não dando ao réu qualquer possibilidade de defesa.  E, depois de imputar um acto criminoso ao réu, de que este nunca tinha tido conhecimento, condena-o de seguida.

É a justiça inquisitorial na sua plenitude. O juiz que acusa e condena o réu sem lhe dar possibilidade de defesa, o juiz que julga em causa própria, o juiz que é ao mesmo tempo acusador (procurador do MP) e juiz. É o juiz-inquisidor.

O caso (*) está contado neste blogue (cf. aqui). 

O juiz-inquisidor deste caso chama-se João Manuel Teixeira. 

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(*) O caso corre agora no TEDH (cf. aqui)


(Continua acolá)

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