01 novembro 2023

1755

1755

 

Completam-se hoje 268 anos sobre o grande terramoto de 1755. As igrejas estavam cheias às 9:40 da manhã, para celebrar o dia de Todos-os-Santos e os primeiros abalos tiveram de imediato consequências catastróficas. Seguiram-se os incêndios e o tsunami, que acresceram à tragédia.

 

Não se conhece exactamente o número de vítimas. Na História de Portugal do Rui Ramos, este número é estimado em cerca de 10.000 pessoas — 5% da população de Lisboa, mas outros autores apontam para 30.000 a 40.000 pessoas em Portugal e cerca de 10.000 pessoas em Marrocos.

 

Duas teses surgiram de imediato a digladiarem-se sobre as causas do terramoto. Castigo divino ou fenómeno natural?

 

O mais destacado protagonista da tese do castigo divino foi o padre jesuíta Gabriel Malagrida, que foi indiciado à Inquisição pelo Pombal e condenado à morte por heresia. Acabou garrotado e atirado à fogueira.

 

Voltaire destacou-se a defender a tese do fenómeno natural e publicou a este propósito um famoso ensaio poético: “Poema sobre o desastre de Lisboa”.

 

“Um dia tudo estará bem”, eis aí a nossa esperança;
“Tudo está bem hoje em dia”, eis aqui a ilusão.

 

O impacto imediato do terramoto, que eliminou 75% do PIB da época, é evidente. Contraintuitivo, porém, é conceber que esse impacto se continua a fazer sentir na cultura portuguesa, como um cancro que nos corrói.

 

Em defesa desta última perspectiva, que eu defendo, aponto que a cultura portuguesa atual é a mais avessa à incerteza do mundo Ocidental e uma das mais “Curtoprazistas” (baixa Orientação de Longo Prazo).

 

Consciencializarmo-nos de que tudo pode acabar de um momento para o outro pode tornar-nos obsessivos com o planeamento, para reduzir ao máximo as incertezas e também a não pensarmos no longo prazo, porque "a morte é certa".

 

Dirão que o Terramoto foi há tanto tempo, 268 anos, que a sua influência já se deve ter desvanecido. Digo que não porque a tragédia facilitou a ascensão ao poder do mais destacado criminoso da nossa história, o Pombal, com a sua influência maléfica a perdurar até hoje em muitas das nossas instituições.

 

Pedro Arroja tem realçado, por exemplo, que o Ministério Público continua a seguir os processos da Inquisição, destacando que ‹‹O MP foi criado em 1832 em substituição da Inquisição que foi extinta em 1821››.

 

Pombal também proclamou a autoridade absoluta do Rei, na chamada Lei da Boa Razão de 1769, na qual se estabelecia que as leis régias portuguesas prevaleciam sobre quaisquer outras fontes do Direito.

 

Este princípio continua encarnado na República, assumindo o Estado uma espécie de direito régio, que tantas vezes viola os direitos básicos dos cidadãos e até o simples bom-senso. Um dos instrumentos dessa opressão é o Direito Administrativo, que sobrepõe o interesse público aos interesses individuais. Por outras palavras, impõe a supremacia do soberano sobre a populaça.

 

Esta herança pombalina, não nos deixa fazer o luto do terramoto. Tornamo-nos num povo atávico, tolhido pelo medo da incerteza e pelo medo dos caprichos do soberano, do Estado.

 

Precisamos de exorcizar 1755 e o cabrão do Pombal.

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