O Ministério Público (MP) é o maior cancro do sistema de
justiça e da democracia portuguesa.
Nos países de tradição democrática, o MP (Office of the
Attorney General) é uma departamento do Ministério da Justiça, sujeito à
autoridade do ministro da Justiça e, em última instância, do primeiro-ministro,
que responde por ele.
Portanto, o MP é
parte do poder executivo. Compete-lhe representar o Estado em tribunal e
promover a acção penal quando estão em causa crimes públicos, isto é, crimes em
que a vítima é toda a comunidade (v.g., fogo posto no Pinhal de Leiria).
Pelo contrário, em Portugal, o MP é parte do poder judicial com uma magistratura que é
paralela à dos juízes, possuindo poderes de investigação criminal e o monopólio
da acusação criminal, e não respondendo perante ninguém. Tal resulta da tradição inquisitorial do direito penal
português.
Nos alvores do protestantismo e da modernidade, o liberalismo e a democracia nunca conseguiram impor-se em Portugal por causa da Inquisição. A Inquisição perseguia a dissidência religiosa que na altura se confundia com a dissidência política. A Inquisição é a mais anti-liberal das instituições da tradição portuguesa. Tinha em vista matar toda a liberdade de expressão e pensamento, que é a liberdade fundadora do liberalismo e da democracia moderna.
A Inquisição foi extinta em 1821 depois da Revolução Liberal
de 1820. Em 1832 é criado o Ministério Público - nas reformas de Mouzinho da
Silveira - que é largamente formatado em moldes semelhantes aos da Inquisição.
Aquilo que caracterizava a Inquisição era a promiscuidade entre juiz e acusador
(inquisidor), frequentemente reunidos na mesma pessoa. É essa promiscuidade que
hoje existe entre magistrados do MP e juízes. Tal promiscuidade produz uma
justiça parcial, em favor da acusação e contra o réu, violando alguns dos mais
ancestrais princípios de justiça.
O processo penal português está enviesado em favor da
acusação e contra a defesa. Falha o atributo principal de uma justiça
democrática - a imparcialidade. Não surpreende que a maior parte das condenações
do Estado Português pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) seja por
violação do artº 6º da CEDH (Direito a um Processo Equitativo). Na realidade, o
processo penal português é inquisitorial, acusatório e anti-democrático.
A justiça penal portuguesa está enviesada contra o réu -
pessoa acusada é, quase de certeza, pessoa condenada. Era isso que visava a
Inquisição - condenar qualquer pessoa acusada, mesmo que a acusação fosse
falsa.
Por outras palavras, este sistema de justiça presta-se a ser
utilizado com fins políticos - acusa-se falsamente uma pessoa de supostos crimes
quando aquilo que, na realidade, se visa é perseguir e aniquilar um rival
político.
Sob a aparência de ser uma instituição de justiça, o MP,
como antes a Inquisição, é uma instituição política destinada a criminalizar os
dissidentes do regime e, em última instância, acabar com eles. Decorre daqui,
que nada mina mais a confiança dos cidadãos na justiça do que a sua utilização
com fins políticos, que é o que faz o MP (como antes fazia a Inquisição).
Uma reforma democrática da justiça penal tem de passar necessariamente pelo seguinte:
i) Instituir o MP em bases democráticas, como
um departamento do Ministério da Justiça com as funções descritas acima e respondendo perante o Governo (o qual, por seu turno, em eleições, responde perante a população).
Acaba-se, portanto, com as funções de investigação criminal
que o MP hoje tem (essas funções pertencem à PJ) e também com o monopólio da
acusação criminal por parte do MP, a qual passa a estar aberta a todos os
cidadãos.
ii) Se o MP é a moderna Inquisição, os Tribunais de
Instrução Criminal são a versão moderna dos velhos Tribunais do Santo Ofício. É
aqui que se trituram em público, ao longo de muitos anos do processo de
instrução, os inimigos políticos que, ou acabam por nunca ir a julgamento ou,
quando vão, são frequentemente absolvidos.
Porém, anos de notícias nos jornais sobre os processos que
correm nos Tribunais de Instrução Criminal
são suficientes para matar politicamente a pessoa do arguido e frequentemente lhe
arruinar a vida. As fogueiras de antigamente são agora fogueiras mediáticas que
queimam a reputação, e às vezes a vida,
do arguido para sempre.
Portanto, devem ser extintos os Tribunais de Instrução
Criminal. Não existe tal instituição em países com uma longa tradição
democrática. Eles são ainda um resquício da tradição inquisitorial (anti-liberal e
anti-democrática) da justiça penal portuguesa.
iii) Revisão profunda do Código do Processo Penal tomando
como referência a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, especialmente o
artº 6º, e respectiva jurisprudência do TEDH.
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