O labor mais difícil do mundo é escrever. Não me refiro a crónicas, nem postes, mas a contos e romances ficcionados. Peças literárias ou que aspirem a esse estatuto e que sejam apenas produto da imaginação do autor.
Essa dificuldade fica bem representada no título: A4. A folha em branco que desafia e atemoriza, porque lá cabe tudo e nada.
Esse estatuto intemporal e sem domicílio permite tudo e dá a máxima liberdade, mas dificulta a tarefa criativa. A liberdade total fica fora da caixa, em lugares que nem sonhamos, fora da zona de conforto e é sempre acompanhada, por isso mesmo, de algum stress e falta de à-vontade.
O escritor (ou aspirante a escritor) não vive com os pés bem assentes na Terra, como os restantes mortais. Transladou-se para uma espécie de Meta (mundo virtual do Facebook), onde é absorvido pela sua criação e se deixa auto-deslumbrar.
Se a suas experiências de vida ressoarem com os leitores a obra pode vir a ter sucesso, caso contrário serve apenas para alimentar o narcisismo da escrita.
Quando a folha A4 deixa de estar em branco e passa a conter instruções e algoritmos, as tarefas simplificam-se e desqualificam-se. O trabalho da empregada doméstica que vai ao super com uma lista de compras é menos apreciado e menos remunerado porque exige menos processamento mental.
Quando estudei para o meu MBA aprendi uma noção que, na altura, me surpreendeu e até chocou um pouco: “quanto menos se sabe de uma disciplina melhor o seu exercício é remunerado no mercado de trabalho”.
Os CEO’s ganham fortunas porque a estratégia empresarial continua a ser uma espécie de bruxaria, assente na fé, nos búzios e nas folhas de chá. Os economistas também são bem remunerados porque ainda não descobriram o astrolábio da macroeconomia e cada um tem a sua opinião.
Dentro da medicina, as especialidades mais bem remuneradas (globalmente) são a psiquiatria, a reumatologia e até a oncologia. A cirurgia e a anestesia têm vindo a perder valor porque expandiram e objetivaram as suas disciplinas. Os cirurgiões e os anestesistas podem vir a ser substituídos por robots, mas vai ser difícil acontecer o mesmo com a psiquiatria.
As disciplinas sobre as quais se sabe menos exigem perfis intelectuais mais sofisticados. Capacidade para separar o essencial do acessório, capacidade de decidir com escassez de informação e sobretudo um talento inexcedível para vendas. É dessa massa que se fazem os líderes empresariais.
A escrita, porém, continua na minha perspectiva a ser o labor mais difícil. Mais difícil e talvez menos reconhecido, por tudo assentar na A4.
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