28 setembro 2023

1755





Êxodo 20: 5-6 (Antigo Testamento, circa Sec. IV AC)

 

5. Não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam e uso de misericórdia com milhares dos que me amam e guardam os meus mandamentos.

 

6. Mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus man­damentos.

 

 

Os maus atos afetam as famílias durante várias gerações, no Êxodo fala-se de 3 a 4 gerações, que corresponde de 90 a 120 anos. Um bisavô criminoso prejudica até aos bisnetos que procuram afastar-se o mais possível desse legado familiar. Pelo contrário, boas ações são um crédito e abrem portas à descendência.

 

Os acontecimentos históricos também estigmatizam os povos e influenciam as sociedades durante centenas de anos. Pode parecer anedótico e será, mas quando conhecia colegas Indianos, em Nova Iorque, e descobriam que eu era português, comentavam logo: “os teu antepassados eram uns facínoras”. E depois, a jeito de desculpa: “mas os espanhóis foram piores”. Ora bem, já vão 17 gerações desde que o Vasco bombardeou Calecute.

 

Serve este introito para invocar dois acontecimentos históricos que, na minha opinião, continuam a influenciar profundamente a atualidade. A Revolução Francesa (1789) e o Terramoto de Lisboa (1755).

 

Quando digo “influenciar” não me refiro às circunstâncias históricas que inevitavelmente teriam impacto na atualidade — não se guilhotina o Rei em vão. Refiro-me a aspectos culturais que continuam a colorir, para o bem e para o mal, a França e Portugal.

 

A “Liberté, Egalité, Fraternité” herdada de 1789, continua na Constituição e nas fachadas dos edifícios públicos, mas não passa de uma insígnia que ilude os franceses, que não são nem mais nem menos livres do que quaisquer outros povos europeus e que os leva aceitar um socialismo sufocante para serem mais iguais e fraternos.


Quanto a Portugal, o problema é diferente e quiçá mais grave. Enquanto a Revolução Francesa foi obra dos franceses, que ainda hoje procuram resolver na rua os problemas que não conseguem resolver nas urnas, “o Terramoto foi obra de Deus”.

 

O Terramoto de Lisboa é a verdadeira evocação da tragédia (no sentido clássico) e do destino. Algo que ocorre inesperadamente e contra o qual somos impotentes. Deixa na alma uma espécie de certeza de que nada vale a pena, e de que tudo pode desaparecer num instante. Também clama por alguém que imponha a ordem, no meio do caos, nem que seja a ferro e fogo.

 

O sucesso político do Pombal, que Camilo Castelo Branco apelidou de “monstro” e “Nero da Trafaria”, deve-se ao terramoto. E a admiração que os portugueses continuam a ter pelo autoritarismo poderá provir daí.

 

Por outro lado, ao contrário dos protestantes, os portugueses focam-se mais no presente e não se preocupam com o longo prazo. Desde logo os governantes, que endividam o nosso futuro coletivo. Pombal fez o mesmo, estourando o tesouro com a reconstrução de Lisboa.

 

Por ser obra dos franceses, a Revolução tem os seus heróis e os seus carrascos. Recordo, por exemplo, que em França não há uma única estátua do Robespierre. Em Portugal, contudo, o Sebastião de Carvalho e Melo, um facínora do quilate do Maximilian, tem um monumento imponente em Lisboa.

 

Os portugueses são supersticiosos, como não ser depois de 1755, e pelo sim e pelo não vão continuando a venerar no Pombal o autoritarismo que nos pode salvar do caos. Nem que isso custe centenas de milhares de vidas.

 

É necessário incutir confiança nos portugueses. Todos sabemos que a vida pode acabar de um momento para o outro, como num terramoto, mas temos de a viver como se fosse eterna.

Sem comentários: