19 agosto 2023

A Adega de Manuel Pinho (7)

 (Continuação daqui)


7. Château Fourcas Dupré





Em relação às 299 garrafas restantes, o juiz Carlos decidiu que, temporariamente, seriam guardadas na garagem do DCIAP em prateleiras de plástico compradas na Loja do Chinês. Como a garagem era um local por onde diariamente passavam dezenas de magistrados do Ministério Público, o juiz determinou também que seria colocada uma pulseira electrónica no gargalo de cada garrafa.

Aquilo que não ocorreu ao juiz é que, embora estudos do economato do DCIAP há muito recomendassem um stock de reserva de 500 pulseiras electrónicas devido ao elevado número de criminosos que por lá passavam diariamente, devido à falta de meios, que é uma queixa crónica do Ministério Público, o stock existente naquele dia era apenas de 81 pulseiras.

E assim se começa a desvendar o mistério que o artigo da Visão veio lançar publicamente ao dizer que só foram inventariadas 81 garrafas pelo Ministério Público, entre vinhos e champanhe francês (cf. aqui):

"Em matéria de apreensões, a diligência serviu para recolher serigrafias de diversos autores, um saco de golfe, uma máquina de Pinhal e 81 garrafas de vinho. O inventário revela que o antigo ministro da Economia tem um gosto diversificado, desde a região do Douro (Quinta do Vale Meão, VT08, Quinta do Sagrado), passando por Espanha (Herederos deu Marqués de Riscal, Matilda Nieves, Vida Zorzal), França (Domies-Agrassac, Henri Dubois Champagne, Chateaux Forcas Dupré), entre outros".

Devido aos vagares burocráticos do Ministério Público e à greve dos oficiais de justiça, a inventariação oficial das garrafas roubadas ao ex-ministro Manuel Pinho só foi feita uma semana depois do seu armazenamento na garagem do DCIAP. E nessa altura, na realidade, só lá estavam 81 garrafas, todas aquelas que tinham pulseira electrónica.

O pior foi com as outas. Diz quem presenciou que essa foi uma semana de verdadeiro forrobodó no DCIAP. 

Vários arguidos e seus advogados reportaram a existência de saca-rolhas e garrafas vazias nas salas de interrogatórios do DCIAP. Um magistrado chegou mesmo a interromper o interrogatório a um arguido, que se atrasou 3 dias a pagar ao banco a prestação da casa,  dizendo para a secretária, enquanto se levantava e apertava o nó da gravata: "Oh Maria do Céu, se alguém perguntar por mim, diga que não demoro, vou ali à garagem e já venho".

Duas vistosas garrafas de champanhe francês Paul Roger foram encontradas abandonadas num corredor do terceiro andar do DCIAP - vazias, naturalmente. Um arguido que sofria de prostatite crónica e com urgência em urinar, entrou nos lavabos do segundo andar e deu com um magistrado do Ministério Público a olhar fixamente para o espelho e a cantar o fado, que viria a tornar-se o hino oficial da instituição (cf. aqui).

Durante o interrogatório a um arguido rico - que é o tipo de arguidos que o DCIAP gosta de perseguir - o magistrado do Ministério Público queixou-se que, em resultado do aumento das taxas de juro, estava com muita dificuldade em pagar a prestação da casa ao banco, e a mulher até já falava em se divorciar.  O arguido ofereceu-se para lhe resolver o problema através de um empréstimo a fundo perdido, que o magistrado prontamente aceitou

Para celebrar o acordo, o magistrado sacou da gaveta dois copos mais uma garrafa de Château Fourcas Dupré que estava escondida numa prateleira onde, à primeira vista, só existiam livros, incluindo o Código do Processo Penal, a Constituição da República Portuguesa e o Capital de Karl Marx, ao lado das Homilias do Papa Francisco .

No fim do interrogatório, o magistrado abriu o computador onde já tinha o despacho escrito, pronto para o juiz Carlos assinar por baixo,  e onde antes se lia: "O arguido fica sujeito a prisão preventiva pelo prazo de três meses", passou a ler-se "O arguido deve receber a comenda da Ordem da Torre e Espada no prazo de três meses"

Como era Abril, a decisão do juiz cumpriu-se no 10 de Junho seguinte.

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