(Continuação daqui)
8. Um ladrão que se rouba a si próprio
Quando surgiram as primeiras notícias do assalto que o Ministério Público ordenou à mansão de Armando Pereira, o empresário era suspeito de vários crimes de corrupção no sector privado (cf. aqui).
Segundo a acusação do Ministério Público, havia empresas, ligadas ao empresário ou ao seu colaborador Hernâni Vaz Antunes, que facturavam a Altice-Portugal por serviços nunca prestados; noutros casos, essas empresas cobravam comissões a fornecedores arranjados por eles e que sobrefacturavam a Altice pelos serviços prestados. Havia ainda o caso de vários imóveis da Altice-Portugal vendidos abaixo do preço de mercado (num total de 15 milhões de euros), às empresas ligadas ao empresário ou ao seu colaborador, e que depois eram revendidos por estas com lucros substanciais.
A minha primeira reacção ao ler as notícias foi de incredulidade. A Altice-Portugal tem um departamento de tesouraria que faz os pagamentos, um departamento de contabilidade que os regista, auditores e revisores oficias de contas, e ainda vários escalões de gestores na sua organização interna, e ninguém viu nada?
Mais, a Altice-Portugal reporta à Altice-Europa, uma das maiores multinacionais do mundo. As empresas multinacionais têm os seus departamentos de compliance, funcionários da empresa, pagos pela empresa que são uma espécie de polícias internos para zelar que todas as regras da companhia são cumpridas e para prevenir casos de corrupção como este. Ninguém viu nada?
Foram os magistrados do Ministério Público, confortavelmente sentados nos seus gabinetes do DCIAP, a escutar telefones - que é a isso que se reduz a maior parte das diligências investigatórias do MP - que descobriram dentro da Altice-Portugal esquemas de corrupção que dezenas de profissionais lá dentro nunca conseguiram ver?
Que estranho.
As notícias eram acompanhadas de um detalhe, a saber, que Armando Pereira, que na altura (2015) da compra da PT pela Altice detinha 30% do seu capital, se tinha afastado do seu antigo sócio e co-fundador, Patrick Drahi, e já não era accionista da Altice (cf. aqui ou nesta peça do Expresso: "Armando Pereira (segundo a contar da dir.) que deixou de ser accionista da operadora", cf. aqui).
Este pequeno detalhe juntava um pouco de credibilidade à acusação. Armando Pereira, usando a sua antiga influência e as relações que mantinha na Altice andaria, através de esquemas diversos, a "desnatar" a empresa em benefício próprio e dos amigos. Mas, ainda assim, ficava a questão: Será que um homem que tem uma fortuna avaliada em 1600 milhões de euros precisa disto, de andar a corromper-se em negócios imobiliários de 15 milhões?
Nada fazia sentido.
Tudo ficou claro quando Armando Pereira compareceu perante o "juiz" Carlos Alexandre e, no meio do interrogatório, lhe revelou um pequeno detalhe, que rapidamente fez parangonas nos jornais (cf. aqui)
O pequeno detalhe era o de que ele ainda é accionista da Altice (Altice-Europa, de que a Altice-Portugal é subsidiária) e que detém 22% do seu capital (algo que, a preços de mercado, representará qualquer coisa como 1300 milhões de euros).
O Ticão deve ter tremido e os abalos devem-se ter feito sentir no DCIAP.
Se Armando Pereira, de acordo com o Ministério Público, andou a roubar a Altice e se, ao mesmo tempo, é proprietário dela, então só há uma conclusão a tirar: "Armando Pereira é um ladrão que se rouba a si próprio".
(Continua)
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