01 abril 2023

A Economia de Francisco (5)

 (Continuação daqui)



5. "Se não dás a bem, dás a mal"


Numa família, os filhos podem esperar que seja o amor ou o altruísmo dos pais a pôr-lhes o pão na mesa. Mas se esta família viver num país de vários milhões de pessoas e os pais ficarem à espera que seja o altruísmo de alguém a dar-lhes o pão a eles próprios, o mais provável é que todas as casas de família acabem sem pão na mesa.

A moderna ciência económica (liberal ou capitalista) nasceu em 1776 pela mão do filósofo escocês Adam Smith, com a publicação do livro "A Riqueza das Nações", no mesmo ano da Declaração de Independência dos EUA. Nessa altura o catolicismo estava proibido no Reino Unido e, portanto, também na sua colónia americana. 

Na altura, o Marquês de Pombal governava em Portugal. São várias as referências que Smith faz a Portugal e a Espanha, dois países católicos por excelência, como exemplos acabados de países "atrasados" (backwards) "miseráveis" (beggarly) e "mal governados" (misgoverned).

Smith era presbiteriano, uma corrente do calvinismo, fortemente oposta ao catolicismo. O pensamento de que vem imbuída a nova ciência económica é, por isso,  um pensamento anti-católico e que rompe definitiva e felizmente com o atavismo do pensamento social católico que perdura até hoje, designadamente na Economia de Francisco.

Os pais fundadores americanos, todos eles de cultura protestante (com excepção do católico Charles Carroll), e vários de origem escocesa, conheciam o pensamento de Adam Smith. Em consequência disso, em breve estavam a lançar as bases da nação que viria a revelar-se a mais poderosa máquina trituradora de pobreza que a humanidade alguma vez conheceu - os Estados Unidos da América. 

A maneira como Adam Smith rompeu com o atavismo do pensamento económico católico encontra expressão naquela que é uma das suas frases mais citadas: "Não é da benevolência do homem do talho, do vinicultor ou do padeiro que nós podemos esperar o nosso jantar, mas da preocupação destes homens com os seus próprios interesses".

Na grande sociedade aberta que Adam Smith via abrir-se diante dos seus olhos, não era o altruísmo do pai, da mãe, do padre ou do regedor que garantia o pão na mesa de cada família. Era o egoísmo do padeiro. Ironicamente, a chave da prosperidade estava no egoísmo humano, não no altruísmo tão pregado pela Igreja Católica. 

Explicar o mecanismo que, numa grande sociedade, garante que o pão chega à mesa de cada família, não pelo altruísmo de alguém, mas porque o padeiro cuida, em primeiro lugar, dos seus próprios interesses, foi a grande genialidade de Adam Smith. Esse mecanismo é o mecanismo do mercado. Intelectualmente, foi uma descoberta fascinante.

As ideias de Smith pegaram fogo nos EUA que em breve se tornaria a maior potência económica do mundo. Enquanto isto acontecia, os países de tradição católica do sul da Europa, como Portugal e Espanha, e as suas colónias na América Latina, ficavam irremediavelmente para trás. E assim vão permanecer enquanto continuarem a dar guarida a ideias económicas como as da Economia de Francisco.

A Igreja Católica (um nome que, do grego, significa "comunidade universal") quer fazer de toda a população mundial uma família. E julga que os princípios de comportamento que tornam a família nuclear possível e próspera (amor, comunidade, partilha) tornam igualmente a família universal próspera. Está redondamente enganada. À escala mundial, esses princípios de comportamento produzem o resultado rigorosamente oposto - a pobreza generalizada e a ruína.  

A diferença está em que não se consegue amar quem não se conhece, e à escala de uma grande nação as pessoas não se conhecem umas às outras. Como escreveu Molière, "Os amigos da humanidade nunca são meus amigos". Não se pode, portanto, esperar da "humanidade" os sentimentos de amor, de comunidade e de partilha que ponham o pão na mesa de cada família.

A Igreja reconhece isso, que é o egoísmo humano que impede a economia de partilha ambicionada pela  Economia de Francisco. Mas, reconhecendo isto, em lugar de aceitar os benefícios do egoísmo humano em que está baseado o processo do mercado, condena um e outro, e dá um salto fatal no seu argumento.

O salto é o seguinte. A partilha é uma coisa boa porque já Cristo a praticava e os franciscanos também, alguns até foram santos, como o fundador da Ordem. Se as pessoas hoje não a praticam voluntariamente, então vão  ter de a praticar à força porque não se pode prescindir de uma coisa boa como é a partilha ou a dádiva. Por outras palavras, "Se não dás a bem, dás a mal". E é nesta altura que a Igreja mete o Estado no argumento, com o seu monopólio da força, e torna a economia uma economia socialista e, no limite, comunista.

Através de mecanismos variados que têm em comum serem penalizadores da economia de mercado, como a tributação progressiva, as empresas estatais, a regulamentação estrita da actividade privada, o controlo dos preços, etc.,  o Estado passa a ser a instituição através da qual o pão chega gratuitamente à mesa de cada família, sem que ela sequer precise de trabalhar. 

Pelo menos por um tempo, até à ruína geral.

(Continua acolá)

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