01 abril 2023

A Economia de Francisco (4)

 (Continuação daqui)



4. A caminho do comunismo


Existem três motivações que levam as pessoas a relacionarem-se umas com as outras - o amor, no sentido lato de querer bem ao outro (altruísmo); o interesse próprio (egoísmo); e a força (poder).

A cada uma destas motivações corresponde um mecanismo de distribuição dos recursos, respectivamente, a dádiva, a troca e a imposição, e uma instituição que tipifica na perfeição cada um destes mecanismos de afectação dos recursos.

A dádiva é o mecanismo utilizado na família, onde pai e mãe partilham com os filhos o produto do seu trabalho. A troca é típica da empresa privada ou capitalista onde produtos são trocados contra dinheiro e o trabalho é trocado contra um salário. A imposição é típica do Estado, que cobra impostos e os distribui por virtude do seu monopólio da força na sociedade.

A Economia de Francisco tem uma clara aversão por um destes mecanismos - o segundo, a troca, onde predominam as empresas privadas e o modo de produção capitalista. Este modo de produção também é, às vezes, chamado de "liberalismo económico" porque é baseado na liberdade individual dos seus intervenientes - ninguém obriga o padeiro a produzir pão ou o cliente a comprá-lo; ninguém obriga o empregado da padaria a aceitar o trabalho nem o dono da padaria a pagar-lhe um salário.   

Esta aversão é explícita nos Princípios 3 e 4 da Economia de Francisco, tal como formulados pelo seu capítulo brasileiro, onde, a par da rejeição da economia capitalista (considerada uma economia que mata) se descortina já a defesa de um  Estado comunista que administra a economia e cuja função é pôr os bens em comum (cf. aqui):



Princípio 3 – Cremos em alternativas anticapitalistas

(Palavras-chaves: anticapitalismo e bem viver)

Cremos no Bem Viver porque o capitalismo é um sistema econômico cujas leis próprias geram exclusão e desigualdade (Evangelii Gaudium, 53), pelo que se faz um sistema insuportável, e que precisa ser superado, juntamente do colonialismo e do patriarcado. Cremos que um suposto “capitalismo inclusivo” é contraditório com a opção pelo respeito à criação e por uma ecologia integral e não é a resposta para a crise que vivemos. Cremos, portanto, que o bem viver é a filosofia prática que nos faz caminhar na direção da nova economia construída sob o paradigma da igualdade, da sustentabilidade e da cidadania. 

Princípio 4 – Cremos nos Bens Comuns  

(Palavras-Chaves: Bens Comuns e papel do Estado)

Cremos nos Bens Comuns porque o neoliberalismo, versão contemporânea do capitalismo, acentuou as características de uma economia que mata, com a idolatria ao capital e ao mercado; cremos se tratar de um pensamento limitado, que recorre à mágica teoria do “gotejamento” como única via para resolver os problemas sociais, a qual, por sua vez, não funciona, pois o mercado não regula tudo (Fratelli tutti, 168); pelo contrário, torna a política refém de uma economia tecnocrática (Laudato si, 189), e prejudica o necessário papel do Estado na garantia dos direitos sociais inalienáveis, pois privatiza direitos e estatiza prejuízos.  


 Rejeitando o capitalismo, que é baseado no interesse próprio (egoísmo) e na troca livre, como sistema de organização económica da sociedade, restam à Economia de Francisco dois mecanismos para o fazer - a dádiva, que se funda no amor ao próximo (altruísmo) e  a força que se funda no poder do Estado.

A dádiva (altruísmo) funciona muito bem na família ou numa pequena comunidade - como um convento franciscano - onde todos se conhecem, e gostam uns dos outros. Numa pequena comunidade são conhecidas as necessidades de pessoas amadas. Trabalham os que podem e estes  partilham os frutos do seu trabalho com aqueles que não podem trabalhar. 

Numa pequena comunidade onde todos se conhecem e gostam uns dos outros - de que o protótipo é a família  ou uma  fraternidade -  a dádiva (altruísmo) é um mecanismo eficaz de distribuição dos recursos existentes. É aí o domínio próprio da máxima marxista "De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades".

Mas, tratando-se de uma grande sociedade, de muitos milhões de pessoas, que não se conhecem umas às outras, a dádiva (altruísmo) continua a funcionar como um mecanismo eficaz de produção e distribuição da riqueza?

A resposta é um conclusivo Não, aí a dádiva conduz à mais irremediável pobreza. 

É nesta incapacidade de passar dos modos  de pensamento próprios da pequena comunidade, que são concretos, para os modos de pensamento próprios de uma grande comunidade, que são abstractos - um caso típico de atavismo intelectual -, que reside a grande dificuldade da Economia de Francisco.

É esta dificuldade que vai levar a Economia de Francisco do comunitarismo próprio de um convento franciscano ao comunismo próprio de um Estado de inspiração marxista.

(Continua acolá)   

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