(Continuação daqui)
2. De uma pobreza franciscana
"É de uma pobreza franciscana". É assim que o povo português ainda hoje se refere a situações de pobreza extrema.
O século XIII em Itália foi um século de notável prosperidade económica com um desenvolvimento considerável do comércio, o nascimento da banca e o lançamento das bases da moderna economia capitalista.
No meio de comunidades que eram predominantemente pobres, é natural que o enriquecimento de alguns - os antecessores dos modernos capitalistas - causasse algum ressentimento social.
Giovanni Pietro de Bernardoni era filho de um comerciante abastado de Assis e de uma mãe francesa. Era uma criança alegre que brincava e cantava na rua e na adolescência também cometeu os seus excessos. Falava a língua materna e não tardou que os amigos de infância lhe pusessem a alcunha de "francês" ("francesco", em italiano).
Estava encontrado o nome do fundador da mais famosa ordem mendicante da Igreja Católica - a Ordem de S. Francisco.
Francisco, que era um filho-família, abandonou tudo, renunciou à riqueza da família, e decidiu ser pobre. Foi um pobre por opção, perante a indignação paterna. Mas veio provar ao mundo que, no meio da riqueza nascente trazida pela nova ordem económica capitalista, era possível a um homem ser feliz na pobreza.
Vivia do que lhe davam, ajudava os outros, partilhava com eles, contemplava a natureza e falava com os passarinhos. Em breve atraiu seguidores, homens e mulheres. À mais famosa das suas seguidoras, Clara - também ela uma filha-família -, construiu, com a ajuda dos amigos, o primeiro convento e, pelo caminho, ficava fundada a primeira ordem franciscana feminina - a Ordem das Clarissas.
Como exemplo de excepção, a vida de Francisco foi, de facto, um exemplo singular, um menino-rico que conseguiu mostrar ao mundo que era possível ser pobre e, ainda assim, ser feliz - ou, que não é a riqueza (que ele tinha à sua disposição na família) que traz necessariamente a felicidade.
Porém, generalizar o exemplo de Francisco, e a socio-economia em que ele viveu, a uma grande sociedade moderna - como pretende a chamada "Economia de Francisco" - é de uma desumanidade e de uma crueldade extraordinária. É lamentável que esta infeliz generalização tenha o incentivo e o suporte da autoridade do Papa.
A pobreza é a principal fonte da fome, da doença, da violência, da ignorância e da morte prematura. Quem consultar as estatísticas da população mundial em breve constatará que nos países mais pobres do mundo, como em África, a esperança de vida da população pouco passa dos 50 anos, ao passo que nos países ocidentais ela já vai além dos 80. Nos países ricos, a mortalidade infantil está praticamente eliminada, enquanto nos pobres ainda morrem mais de 100 crianças em cada mil antes de atingirem um ano de idade.
Santificar a pobreza é promover a morte, a doença, a fome, a violência, a ignorância. E, no entanto, é isso que a Igreja tem feito ao longo de séculos e continua hoje a fazer com a sua "Economia de Francisco".
Não surpreende que o centro do catolicismo se tenha deslocado nas últimas décadas da Europa para a América Latina, um continente pobre, de onde vem o Papa Francisco. E que o catolicismo esteja a perder fieis nos países ricos da Europa Ocidental e da América do Norte e a ganhá-los sobretudo nos países pobres de África e da Ásia.
Por outras palavras, o catolicismo é hoje, cada vez mais, uma religião do terceiro mundo, muito capaz de confortar os pobres e igualmente capaz de indignar os ricos. A "Economia de Francisco" é mais uma acha para a fogueira em que a Igreja se vai queimando a si própria nos países mais desenvolvidos do mundo.
Diz-se, por vezes, na teologia católica, que Deus tem uma opção preferencial pelos pobres. Talvez. A tal ponto que os leva mais cedo para junto d' Ele. O próprio S. Francisco morreu novo, com 44 anos apenas.
(Continua acolá)
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