03 dezembro 2022

Um juiz do Supremo (138)

 (Continuação daqui)

Avenida das Forças Armadas, Bragança


138. A solução do mistério


A história que agora tenho para contar é uma história deliciosa de funcionamento de uma empresa em economia de mercado, envolvendo um gestor financeiro que é juiz, que não sabe fazer prédios, mas que garante que todas as regras do capitalismo civilizado são devidamente cumpridas. 

Mas deixemos o juiz, ele próprio, relatar os factos relevantes.

13. Como bem se diz na motivação do acórdão o assistente [juiz Marcolino] associou-se com o Dr. Valdemar Gonçalves e com a testemunha António Granjo, por um lado e a Imobiliária de S. Bartolomeu, por outro para a construção do prédio da Avenida das Forças Armadas, no entanto, o seu papel foi exactamente o mesmo: controlar as contas desse empreendimento. Os documentos juntos espelham exactamente uma conta-corrente desse mesmo contrato de associação.
14. Tendo cessado essa associação, necessariamente existia dinheiro a distribuir, o que deu origem à emissão dos cheques juntos aos autos.
15. A construção não foi formalmente feita pela Imobiliária de S. Bartolomeu, foi feita por tal Imobiliária, como é evidente.
16. Aliás, nem sequer se deu como provado que o recorrente [juiz Marcolino], o António Granjo e o Dr. Valdemar Gonçalves tivessem o know-how, ou sequer os meios para levar a efeito uma construção de um prédio. (Fonte: cf. aqui, ênfases meus)

A Imobiliária de S. Bartolomeu lançou-se na construção de um prédio na Avenida das Forças Armadas, em Bragança. Para o efeito, associou-se com o juiz Marcolino, e mais dois outros indivíduos. Ora, o juiz Marcolino, que já era sócio da empresa, através da mulher, passou agora a estar duplamente associado à Imobiliária. A Imobiliária de S. Bartolomeu parecia ter mel para o juiz.

E aqui reside o principal mistério da história: Que apport, que contribuição, que mais-valia, que valor acrescentado poderia o juiz Marcolino trazer à Imobiliária para justificar esta associação?

Carregar com as telhas às costas não era porque o próprio juiz admite que não tem o know-how nem os meios para construir prédios. Aquela de ser o gestor financeiro da obra também não pega. Não é fácil imaginar o juiz, no intervalo de dois julgamentos, no frenesim de pagar salários aos trolhas à sexta-feira à tarde, com aquilo tudo direitinho, os descontos para a segurança social e as deduções do IRS, ou a discutir o preço do cimento depois de um dia a redigir sentenças.

Existem dois momentos maravilhosos nesta história de encantar que tem o juiz Marcolino no centro. Um é aquele em que o ele afirma que quem fez formalmente a obra não foi a Imobiliária de S. Bartolomeu, mas foi tal Imobiliária, acrescentando um conclusivo "como é evidente". Coisa mais evidente não poderia haver, a Imobiliária de S. Bartolomeu ter feito a obra, mas não ter feito formalmente a obra.

Mas o mais maravilhoso de todos, porque é totalmente inédito na rotina de uma empresa, é imaginar o juiz, de livro de cheques na mão, depois de um lauto almoço, a distribuir dinheiro por uns tantos colaboradores da obra, incluindo ele próprio, depois de o prédio ter sido vendido. Normalmente, havendo lucros - algo que, quando o juiz Marcolino está presente, acontece "necessariamente" - espera-se pelo fim do ano, para os distribuir pelos sócios e premiar alguns colaboradores.

Aqui foi tudo diferente. Prédio vendido, dinheiro distribuído, e o dinheiro parece que jorrava com alguma liberalidade do livro de cheques da Imobiliária de S. Bartolomeu e da assinatura do juiz Marcolino para um pequeno núcleo de amigos, incluindo ele próprio. Um dos amigos, curiosamente - Valdemar Gonçalves - tinha sido companheiro do juiz Marcolino e de Duarte Lagarelhos, sócio maioritário da Imobiliária, naquela viagem a Madrid para tratarem de uns célebres e misteriosos "investimentos pecuniários" (cf. aqui).

O que nos conduz a um segundo mistério nesta história. Como é que uma Imobiliária que tem de capital social uns míseros 450 contos (2250 euros) se abalança a construir um prédio numa avenida central de Bragança - donde é que lhe veio o dinheiro, o financiamento para a obra? Depois de se saber tudo aquilo que hoje se sabe sobre o seu sócio maioritário, uma possibilidade é que a Imobiliária de S. Bartolomeu e os seus negócios na construção e no imobiliário servissem de lavandaria para aquilo que a gente sabe.

Mas é ao primeiro mistério que eu gostaria de voltar. Aparentemente, aquele prédio na Avenida das Forças Armadas, em Bragança, era um prédio velho que a Imobiliária de S. Bartolomeu adquiriu e que depois reconstruiu de novo. De maneira que a questão põe-se outra vez: Não sabendo o juiz Marcolino construir prédios, que mais valia pode ele ter trazido à Imobiliária para esta se associar a ele e lhe pôr o livro de cheques na mão, permitindo-lhe fazer-se pagar a si próprio e aos amigos?

A solução do mistério pode bem estar naquela célebre manchete do Correio da Manhã: "Juiz despejou PSP e ganhou 100 mil euros" (cf. aqui)


(Continua acolá)

Sem comentários: