10 novembro 2022

Um juiz do Supremo (84)

 (Continuação daqui)



84. Um criminoso serial


Um funcionário público que utilize as suas funções públicas em benefício próprio comete o crime de prevaricação para o qual o Código Penal prevê uma pena de prisão. 

Não é o crime mais grave praticado pelo juiz Francisco Marcolino, existem outros bem mais graves, aludirei a um deles em breve. Mas é o mais reiterado. Do ponto de vista do crime de prevaricação, o juiz Marcolino é um verdadeiro criminoso serial.

Para ele, a justiça é um instrumento para satisfação dos seus interesses pessoais. Ele utiliza a justiça e as suas funções de juiz para enriquecer, para se vingar, para ameaçar, coagir e aterrorizar, para retribuir favores pessoais e políticos, para perseguir e para extorquir, a lista é sem fim.

O caso mais emblemático é aquele em que ele se fez nomear inspector judicial em Bragança, competindo-lhe a avaliação os juízes do tribunal da cidade, ao mesmo tempo que tinha pendentes nesse tribunal oito processos judiciais, a maioria processos penais, e em que reclamava, em todos eles, indemnizações cíveis. 

Um dos juízes sujeitos à sua avaliação, decidiu um processo a favor do juiz envolvendo uma indemnização de 25 mil euros; dois outros juízes pediram escusa para se livrarem da vingança do inspector Marcolino, caso decidissem contra ele; e a situação só ficou por aqui porque, entretanto, o juiz Marcolino foi suspenso, e mais tarde afastado, das funções de inspector.

Ao crime de prevaricação juntava-se agora o crime de extorsão, mas o CSM, numa manifestação de leniência que provavelmente não encontra paralelo na história judicial recente, em lugar de o denunciar a um tribunal para que fosse condenado e preso, condenou-o a uma pena de dez dias sem vencimento.

O juiz Marcolino recorreu da sanção para o próprio CSM, que confirmou a decisão. O juiz recorreu então para o Supremo Tribunal de Justiça que voltou a confirmar a decisão. O juiz, que devia estar na prisão, não se conformava que lhe tivessem tirado dez dias ao vencimento. Ele gosta demasiado de dinheiro para aguentar mesmo um perda dessas.

Uma das características do meliante é a sua falta de vergonha (cf. aqui). E foi, então, que o juiz Marcolino desencadeou um dos mais desavergonhados processos judiciais na sua longa história de processar tudo e todos para benefício próprio e sem qualquer sentido de justiça.

Ele já tinha processado juízes, advogados, jornalistas, traficantes de droga, empresários, o próprio irmão, um presidente de câmara e outro de aeródromo municipal, uma magistrada do Ministério Público. Em breve, ele viria a processar o próprio pai, a madrasta, médicos, uma psicóloga e uma funcionária do registo civil. Ele já tinha processado uma instituição do Estado - a Câmara Municipal de Bragança. Quem ele nunca tinha processado era o próprio Estado, que era o seu empregador .

E foi isso que ele fez colocando uma queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Queixava-se que no processo da sanção disciplinar que lhe tinha sido imposta pelo CSM e confirmada pelo STJ, lhe tinham sido violados direitos humanos fundamentais, e não eram poucos: o direito a um processo equitativo, o direito à liberdade de expressão, o direito à não-discriminação, o direito à legalidade, o direito a um recurso efectivo, o direito a um duplo grau de jurisdição, o direito à proteção da vida privada.

Não é difícil imaginar o que os juízes de Estrasburgo terão pensado acerca do juiz Marcolino e da justiça portuguesa. É que esta não era uma queixa apresentada por um cidadão qualquer ignorante das leis e sem qualquer sentido de justiça. Era uma queixa apresentada por um juiz no segundo patamar mais alto da magistratura judicial portuguesa. 

Como era de esperar, a queixa foi totalmente rejeitada, com a particularidade de a decisão não ter sido tomada por um só juiz, mas por um colectivo de sete juízes, por unanimidade (cf. aqui). Uma vergonha. Para quem a tem, evidentemente, o que não é propriamente o caso do juiz Marcolino.

Havia uma ironia neste processo. Na prática era um processo contra o Supremo Tribunal de Justiça que tinha sido o tribunal a tomar a última decisão no caso. A ironia é que o juiz Marcolino, que era na altura juiz desembargador, mas já candidato a juiz do Supremo, punha em causa as decisões do mais alto tribunal judicial do país, ao qual ele próprio pretendia aceder.

A questão que na altura se poria a qualquer cidadão que estivesse ao corrente da situação era óbvia e tinha uma resposta também óbvia: Se um juiz desembargador não acredita nas decisões do Supremo Tribunal de Justiça, quem é que vai acreditar?

Agora, que o próprio juiz Marcolino é juiz do Supremo, a resposta é ainda mais óbvia.


(Continua aqui)

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