(Continuação daqui)
82. O Presidente da Secção
Quem analisar o discurso de tomada de posse do juiz Marcolino (cf. aqui: min. 31:08 e segs.) vai distinguir pelo menos quatro fases. A primeira é a fase do salamaleque, logo a abrir, ... excelentíssimo senhor para aqui, excelentíssima senhora para acolá..., sendo certo que existe alguém por ali que não é nada excelentíssimo.
Mais adiante encontra-se a fase da vitimização em que o juiz Marcolino lamenta a injustiça que lhe foi feita por só agora chegar ao Supremo, em virtude da acção de certas personalidades maléficas que ele se dispensa de identificar. Já perto do fim é a fase da auto-exaltação, onde o juiz Marcolino se atribui qualidades e valores que, obviamente, não tem.
A fase do apoio ocorre logo a seguir à do salamaleque e é essa que pretendo destacar aqui (min. 32:27 e segs.).
O juiz Marcolino gosta de apoio, ele próprio já foi político, embora não tivesse angariado, na altura, um grande apoio como candidato pelo PS a presidente da Câmara de Bragança. Perdeu com uns humilhantes 27% dos votos contra 65% do candidato do PSD. (O juiz Marcolino em breve se vingaria do vencedor pondo-lhe um processo por causa do estacionamento do seu avião e pedindo-lhe uma indemnização de 37 mil euros, mais outra de 25 mil à Câmara).
Nesta fase do seu discurso, o juiz Marcolino salienta o imenso apoio naquela sala das mais altas figuras da magistratura e de numerosos familiares e amigos. E, se é certo que, no final, se ouvem alguns aplausos, não é menos certo que a câmara nunca filma a assistência. Tratando-se do juiz Marcolino, não é improvável que a assistência fosse sobretudo constituída por funcionários da secretaria a quem o juiz, agora que se iria tornar juiz do Supremo, ameaçou arruinar a carreira com processos disciplinares em série, se não fossem lá bater-lhe palmas. O caso da juíza Paula Sá ainda deve estar presente na memória de todos.
O momento mais importante desta fase do discurso é, porém, quando o juiz Marcolino se refere à sua actividade cessante e aos seus colegas do Tribunal da Relação do Porto. Durante cinco anos, ele foi eleito por "unanimidade ou esmagadora maioria" (sic) presidente da 1ª secção criminal deste tribunal.
É nesse momento do discurso também que ele revela algumas das ocupações que tinha nessa função, como anotar diplomas legais e ler a jurisprudência que vinha dos tribunais superiores e distribuí-la pelos colegas, uma tarefa que, com um certo ar paternalista, ele promete continuar a proporcionar-lhes a partir do STJ.
Infere-se daqui que o juiz tinha um trabalho essencialmente burocrático como é próprio de um presidente de secção de um tribunal - receber, distribuir e enviar processos, fazer chegar informação aos colegas (jurisprudência dos tribunais superiores, ordens de serviço, etc.).
Em Portugal, ser presidente de alguma coisa é interpretado, geralmente, como um sinal de distinção, e foi o Herman José que popularizou a importância que um presidente no país se atribui a si próprio na célebre charla "Eu é que sou o presidente da Junta" (cf. aqui). O juiz Marcolino não é excepção, e no seu discurso não esconde o orgulho em ter sido presidente da 1ª secção criminal do TRP.
Mas há excepções ao orgulho de um presidente. Nas profissões mais corporativas, como é a profissão académica, a militar ou a de juiz, ser presidente ou director de alguma coisa tem algo que se lhe diga. Estas são profissões que precisam manter uma aparência pública de respeitabilidade como poucas outras.
Como tratar, então, um professor universitário que vai bêbado para as aulas e está sempre a ser objecto de queixas pelos alunos? Ou um general que anda sempre aos tiros para o ar e de pistola na mão? A sala de aula num caso, o comando de um regimento de artilharia, no outro, não são os locais mais apropriados para colocar estes homens.
Num acto de defesa pessoal e da instituição, e de caridade corporativa para com estes extraviados, os colegas elegem-nos para funções administrativas ou burocráticas, onde os danos causados pela sua radical incompetência ou falta de idoneidade pessoal são minimizados. O universitário é eleito para presidente do gabinete que investiga a sonolência das cobras nas Ilhas Berlengas, e o general vai comandar a Divisão de Contabilidade e Administração do Quartel.
Num tribunal, a questão põe-se de modo semelhante. O que fazer a um juiz que é conhecido por condenar um inocente a vinte anos de prisão; dar pancada no irmão; ameaçar pessoas com armas de fogo; decidir processos a favor da sua própria mulher; perseguir uma subordinada com processos disciplinares em catadupa que envergonham a justiça portuguesa a nível internacional; um juiz que tem enriquecido à custa das suas funções judiciais; que já foi suspenso e depois despedido das funções de inspector judicial; que já foi condenado pelo CSM por violação dos deveres de reserva e de lealdade; que põe processos judiciais a quem lhe aparece pela frente; que influencia juízes sob a sua avaliação para decidirem a seu favor; um juiz que foi sócio de um traficante e de quem se diz proteger o tráfico de droga?
O que fazer?
Os juízes do Supremo, logo após a sua tomada de posse, enfiaram-no na Secção Social onde se julgam processos de lana caprina. Nomeá-lo para uma Secção Criminal ou para uma Secção Cível é que não. Havia o risco de ele mandar inocentes para a cadeia, no primeiro caso, ou decidir processos com indemnizações milionárias a seu próprio favor, no segundo.
No Tribunal da Relação do Porto já se tinha descoberto a solução desde há mais de cinco anos, onde por "unanimidade ou esmagadora maioria" os colegas elegiam o juiz Marcolino para presidente da 1ª Secção Criminal onde ele passava os dias ocupado com trabalho burocrático. Pô-lo a julgar é que não.
Por isso, os aplausos que se ouviram no final do discurso de tomada de posse do juiz Marcolino podem muito bem ter vindo dos seus colegas presentes - se alguns -, do Tribunal da Relação do Porto. Mas eram provavelmente aplausos de júbilo por, finalmente, se verem livres dele.
(Continua acolá)
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