30 novembro 2022

Um juiz do Supremo (132)

(Continuação daqui)


132. Um caso de murros

O juiz Marcolino parece ter uma fada no Supremo Tribunal de Justiça que lhe põe a mão por baixo sempre que ele se mete em sarilhos, o que não é nada raro. Eu creio mesmo que ele tem duas fadas, uma pública e outra secreta.

O episódio que hoje tenho para contar refere-se àquele caso em que ele bateu no irmão mais novo. Não é o caso da pistola, porque esse é anterior, é um caso de murros, mas tem alguma relação com a pistola, e também com o avião. 

Desde que o irmão Amílcar se recusou a alargar o objecto social da empresa familiar dos Marcolinos, que se dedicava à produção de estanhos, para incluir também a "prestação de serviços aéreos", como pretendia o mano Francisco, que os dois irmãos nunca mais se conseguiram entender, embora já houvesse desavenças anteriores.

O juiz Marcolino em breve arranjou motivos para pôr o irmão em tribunal. Por essa altura, havia uma profusão de processos cruzados no Tribunal de Bragança que também já envolviam a juíza Paula Sá, que o inspector Marcolino resolvera perseguir profissionalmente pondo-lhe três processo disciplinares uns atrás dos outros, para não lhe dar descanso. O juiz Marcolino, como se sabe, é um maníaco dos processos, e a mania não é desinteressada.

Num dos processos em que foi ouvido como testemunha, Amílcar Marcolino resolveu revelar uns segredos de família. Os irmãos Manuel e Francisco  (este, através da esposa), eram sócios na Imobiliária S. Bartolomeu de um construtor civil que, mais tarde, viria a revelar-se também um prolífico traficante  de droga, conhecido por Duarte Lagarelhos. 

Ora, segundo o irmão Amílcar, em certo momento, o juiz Marcolino decidiu favoravelmente uma ação de despejo de um reformado da PSP que terá permitido à Imobiliária vender o prédio com um lucro substancial, cabendo ao juiz 100 mil euros (e ao irmão Manuel outro tanto). O caso fez manchete no Correio da Manhã (cf. aqui).

Ora, é natural que o irmão Manuel e, mais ainda, o irmão Francisco que proferiu tão imparcial sentença, não tenham gostado nada da revelação deste segredo por parte do benjamin da família.  E vai daí, à saída do tribunal, era já noite, no parque de estacionamento, atiraram-se os dois, carinhosamente, ao irmão Amílcar. Primeiro, foi o Manuel e, depois, segundo Amílcar, "ainda veio o Francisco e deu-me dois murros" (cf. aqui).

Amílcar Marcolino ficou com a cara num estado deplorável, e apresentou queixa na polícia e também no Conselho Superior da Magistratura, que é o órgão de disciplina dos juízes. O CSM remeteu o caso para o Supremo Tribunal de Justiça.  

-Eeeeeeeeeeeeeuuuuuuu!?????,

terá perguntado o juiz Marcolino mais tarde, espetando o dedo indicador no próprio peito, quase chegando aos pulmões, quando lhe disseram que estava acusado perante o STJ de ter agredido o irmão. E foi com um ar de santo indignado que explicou aos jornalistas que, no momento das agressões, ele até estava ainda no interior do edifício do tribunal a assinar uns papeis...

O Supremo chamou as testemunhas que tinham sido indicadas pelo agredido. Acontece somente que as testemunhas, quando foram interrogadas, ou não se lembravam de nada ou não tinham estado presentes no local, uma cena do tipo Zé Chunga "Olha na m'alembro... " (cf. aqui).

É que, por essa altura, já se sabia o que tinha acontecido àquele brigantino, chamado Jaime,  que, ao ser  apanhado pelo FBI, referiu o nome do juiz Marcolino como sendo um protector do tráfico de droga. O juiz processou-o por difamação e Jaime foi condenado a dez meses de prisão e a indemnizar o juiz Marcolino em 25 mil euros. (Escusado será dizer que o juiz  que decidiu o caso no Tribunal de Bragança estava sob avaliação do inspector Marcolino, o qual lhe deu muito boa nota).

Quem é que, vindo lá de Bragança testemunhar contra o juiz Marcolino ao STJ, em Lisboa, queria agora transformar-se no próximo Jaime? Quem?

Ninguém queria.

Aliás, os jornalistas já tinham observado um facto interessante quando se deslocavam a Bragança para reportar sobre  processos judiciais envolvendo o juiz Marcolino. Eram atraídos pelo imenso falatório popular que os casos provocavam na cidade. Mas, quando chegava o dia da audiência, o tribunal estava vazio, o povo não comparecia (cf. aqui).

Como é que havia de comparecer se o juiz Marcolino era o terror de Bragança, tinha condenado um inocente a 20 anos de prisão, tinha conseguido a condenação do Jaime também a uma pena de prisão e a uma choruda indemnização a seu favor, tinha mais uma série de processos judiciais a correr no tribunal da cidade contra outras pessoas, incluindo o presidente da Câmara.

Quem queria arriscar?

Ninguém, e foi assim que o Supremo decidiu arquivar a queixa contra o juiz Marcolino por falta de provas (cf. aqui).

A justificação dada pelo Supremo é que tem a sua graça.

O Supremo deu como provado que Amílcar Marcolino foi agredido, aquilo que não se apurou foi quem tinha sido o autor ou os autores das agressões. Deveria ter entregue o caso à Polícia Judiciária para que esta apurasse. Mas não, decidiu que o caso não tinha tido suficiente repercussão pública.

Amílcar Marcolino ficou com a cara em bastante mau estado e teve de receber tratamento hospitalar depois das agressões. Talvez só se os manos Manuel e Francisco o tivessem morto à pancada é que o Supremo teria decidido mandar investigar quem tinham sido os autores da proeza.


(Continua acolá)

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