O artigo seguinte foi publicado recentemente na página do Facebook do deputado do Chega, Gabriel Mithá Ribeiro (cf. aqui). Trata-se de uma súmula de uma série de sete posts que publiquei neste blogue sob o título "Ou talvez não" (cf. aqui, regredindo)
O artigo procura ilustrar a corrupção institucional na justiça portuguesa. São cinco os momentos corruptivos principais:
1º. Quando Francisca van Dunem, procuradora do Ministério Público, assume o cargo de ministra da Justiça, violando o princípio da separação de poderes.
2º Quando o Conselho Superior da Magistratura (CSM) promove van Dunem a "juíza conselheira", estando ela a desempenhar funções políticas.
3º Quando Francisca van Dunem faz aprovar o novo estatuto dos magistrados judiciais em que se aumenta substancialmente a si própria (como "juíza conselheira") e aos seus pares.
4º Quando os juízes conselheiros do STJ deferem o pedido de passagem à reforma da ministra sem que ela alguma vez tenha desempenhado funções de juíza conselheira ou posto os pés no STJ.
5º Quando a Caixa Geral de Aposentações lhe fixa uma pensão de reforma em função do vencimento de "juíza conselheira" que ela nunca auferiu (tendo a sua última remuneração sido a de ministra que é muito inferior à de juíza conselheira).
Ainda, uma breve nota sobre a categoria de "juiz conselheiro", o lugar mais alto da magistratura judicial:
(i) Têm direito a esta categoria os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), os juízes do Supremo Tribunal Administrativo, os juízes do Tribunal Constitucional (TC) e os membros do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Um juiz conselheiro ganha cerca de 7 500 euros ao mês
(ii) Para aceder ao STJ e à categoria de juiz conselheiro, para além dos juízes de carreira, existe uma quota para juristas de mérito (normalmente preenchida por juristas ligados aos dois maiores partidos, PS e PSD) e para os procuradores do MP (como foi o caso da ministra van Dunem).
Nestes dois últimos casos, chega-se a juiz conselheiro do STJ sem nunca ter feito um julgamento na vida, como foi o caso da ministra. Mas a ministra conseguiu mais do que isso - uma dupla façanha. Chegou a juíza conselheira do STJ sem nunca ter feito um julgamento na vida e reformou-se de lá na mesma condição - isto é, sem nunca ter feito um julgamento na vida.
(iii) Embora os "juízes" do TC tenham a categoria de juízes conselheiros, a maioria não são juízes nenhuns, mas mandatários designados pelos partidos políticos (normalmente PS e PSD que são os únicos que fazem maioria qualificada na AR, a qual é necessária para os designar). E dentre os que são juízes, a maior parte são juízes de tribunais inferiores onde não possuíam a categoria de juízes conselheiros.
(iv) A maioria dos membros do CSM (nove em 17), embora com a categoria de juízes conselheiros, não são juízes nenhuns, mas são membros do CSM por nomeação política (do PS e PSD, e do presidente da República).
Agora, o artigo:
Corrupção na justiça
No passado mês de Abril, fez
manchetes nos jornais a pensão de reforma da ex-ministra da Justiça, Francisca
van Dunem: 6 750 euros por mês. Nos últimos seis anos da sua vida activa,
Francisca van Dunem foi ministra de dois governos de António Costa, onde
ganhava 4750 euros ao mês.
Para a esmagadora maioria dos
portugueses, a passagem à reforma implica uma quebra de rendimentos. Para a
ex-ministra, foi ao contrário, os seus rendimentos aumentaram mais de 40% a
partir do momento em que deixou de trabalhar.
Como explicar este milagre, em
que a ex-ministra tem uma pensão de reforma substancialmente superior ao seu
último vencimento, cinco vezes maior do que o salário médio que um cidadão
ganha a trabalhar e 15 vezes mais que a pensão média de reforma do português
comum?
É um processo de corrupção na
Justiça que começa no momento em que Francisca van Dunem, magistrada do
Ministério Público com a categoria mais elevada na carreira (Procuradora-geral
Adjunta), aceita ser ministra do governo de António Costa trespassando a linha
vermelha de um dos mais importantes princípios da democracia – a separação
entre o poder judicial e o poder político.
Quando, em democracia, um
magistrado se torna político, servindo um governo partidário, ficam
comprometidos os dois atributos mais
importantes da justiça em regime democrático – a sua independência e a sua
imparcialidade – e a justiça resulta corrompida.
Francisca van Dunem iniciou
funções como ministra da Justiça em Novembro de 2015. Em Março de 2016, estando
ela a desempenhar funções de ministra, o Conselho Superior da Magistratura
(CSM) que é o órgão de governação dos juízes, promoveu-a a juíza conselheira do
Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que é o lugar mais alto da carreira
judicial.
A promoção foi tanto mais
surpreendente quanto é certo que ela, estando a desempenhar funções de
ministra, não podia exercer a função de juíza conselheira do STJ, e por isso o
CSM teve que promover outro juiz para preencher o lugar que ela não podia
ocupar, e que nunca viria a ocupar.
Mas a promoção tinha a sua
lógica, julgando pelo que viria a seguir.
Em Agosto de 2019, pela calada
do verão, a ministra Francisca van Dunem conseguiu aprovar em Conselho de
Ministros um novo estatuto dos magistrados judiciais em que os juízes
conselheiros recebiam, de uma assentada, um aumento salarial de 700 euros,
passando a receber mais de oito mil euros ao mês (despesas de representação
incluídas).
A ministra utilizava a sua
posição no governo para se aumentar substancialmente a si própria e aos seus
pares e pagava, assim, o favor da sua própria promoção aos membros do CSM,
todos eles possuindo a categoria de juízes conselheiros.
Em Março de 2022, ainda como
ministra da Justiça de António Costa, o Supremo Tribunal de Justiça deferiu o
pedido de passagem à reforma de Francisca van Dunem que, assim, se reformou do
STJ sem nunca lá ter posto os pés ou feito um único julgamento.
A ministra Francisca van Dunem
terminou o seu mandato no Governo no final desse mesmo mês de Março quando
tomou posse o novo Governo constitucional e, aos 66 anos e meio de idade,
seguiu directamente para a reforma.
Ela reformou-se na categoria de juíza conselheira que nunca
exerceu. E a sua pensão de reforma foi calculada com base no vencimento de
juíza-conselheira, que nunca lhe foi devido. Nos últimos anos da sua vida
activa, ela foi paga como ministra, a que corresponde um vencimento bastante
inferior ao de juíza-conselheira do STJ.
Imagine-se um funcionário do escalão médio de uma empresa, que
ganha 1500 euros por mês, e que se conluia com a administração da empresa do
seguinte modo: nos últimos anos de actividade, o funcionário é promovido
ficticiamente a administrador e o seu vencimento é ficticiamente fixado em 10
mil euros ao mês a fim de poder vir a auferir da Segurança Social uma pensão de
reforma superior àquela a que teria direito.
Este homem cometeu o crime de burla, sendo a Segurança Social a
vítima, e tendo como cúmplices os administradores da empresa.
Francisca van Dunem fez exactamente o mesmo. Tendo como
cúmplices os membros do Conselho Superior da Magistratura, simularam uma
categoria profissional (juíza conselheira) que ela nunca desempenhou e um
vencimento que ela nunca auferiu (o de juíza conselheira) para receber uma
pensão de reforma (6 750 euros por mês) da Caixa Geral de Aposentações,
calculada com base nesse vencimento, e que é superior àquela a que
legitimamente teria direito.
Existe apenas uma diferença entre os dois casos citados. Aquele homem iria directo para a prisão, bem como os seus cúmplices. Ao passo que Francisca van Dunem vai gozar uma reforma dourada. E os seus cúmplices também, quando chegar a sua vez
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