Aquela afirmação, vinda do primeiro-ministro de um país que se proclama democrático, de que ele próprio se constituía como o inimigo principal do Chega foi apenas o primeiro choque (cf. aqui).
Decidi, porém, desvalorizar a afirmação, uma vez que se estava em período de campanha eleitoral. Não deixei, contudo, de pensar: "Se ele fôr re-eleito primeiro-ministro, como é que ele vai lidar com esta afirmação - vai governar ostensivamente contra os portugueses que votarem no Chega?"
A noite das eleições produziu uma surpresa, incluindo uma surpresa para ele próprio - a maioria absoluta. Esperava-se que ele fizesse esquecer aquela afirmação ou até pedisse desculpa por ela, caso fosse relembrada por alguém.
Mas não. Foi mesmo mais longe. Disse, a partir de então, que iria ouvir todos os partidos para delinear a sua estratégia de governação. Menos o Chega (cf. aqui).
A maioria absoluta revelava agora, com toda a transparência, a arrogância e o sentimento de superioridade que lhe vai na alma, a divisão da humanidade em estratos, a democracia dividida em cidadãos de primeira e cidadãos de segunda - os portugueses que votam no Chega sendo obviamente de segunda.
Profundamente desconcertado, fui à procura da explicação para tão insólitas declarações por parte de um primeiro-ministro de uma democracia ocidental.
Em breve a encontrei. Ele orgulha-se de descender, por via paterna, da casta brâmane, a casta que se auto-proclama a casta mais elevada do sistema de castas existente na Índia (cf. aqui). Na Índia, existem os brâmanes e depois existem os outros, mas todos abaixo.
Extraordinário país e extraordinária democracia - pensei eu acerca de Portugal - que oferece o lugar de primeiro-ministro, ainda por cima com maioria absoluta, a um homem que se orgulha de descender de uma cultura profundamente anti-democrática - uma cultura de castas.
Para mim, estava agora tudo explicado acerca da discriminação do Chega. No espírito de António Costa, em Portugal existem partidos políticos e depois existe o Chega, mas abaixo.
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