(Continuação daqui)
IX. A desconfiança na justiça
A semana passada foi divulgada uma sondagem da Aximage que não é nada surpreendente - uma maioria considerável dos portugueses (62%) não acredita nem nos juízes nem nos tribunais. A desconfiança é maior entre as pessoas mais velhas (cf. aqui).
Uma das razões principais para este resultado, eu tenho vindo a explicitá-la ao longo desta série de posts. O Tribunal Constitucional tornou-se o tribunal mais alto do país, usurpando esse lugar ao Supremo Tribunal de Justiça. O Tribunal Constitucional é constituído, na esmagadora maioria, não por verdadeiros juízes conselheiros - que são a elite dos juízes - mas por marçanos da judicatura.
Segue-se que a jurisprudência no sistema judicial português - a maneira como devem ser interpretadas e aplicadas as leis - à qual os juízes dos tribunais inferiores, incluindo os do Supremo, estão vinculados nas suas decisões, é feita por marçanos da judicatura.
Nestas condições, o que é que se pode esperar acerca da qualidade das decisões judiciais proferidas pelos "juízes" do Tribunal Constitucional e de todos os tribunais do país?
Não se pode esperar muito.
Quando, há cerca de um mês, o juiz Ivo Rosa leu a decisão instrutória da Operação Marquês, houve um momento célebre em que ele invocou o acórdão 90/2019 do Tribunal Constitucional para declarar que todos os crimes de corrupção estavam prescritos, incluindo o crime de corrupção que o próprio juiz atribuiu a José Sócrates e ao seu amigo Carlos Santos Silva.
Nesse momento, houve um pormenor que não me passou despercebido, pois, ao invocar o referido acórdão do Tribunal Constitucional, o juiz Ivo Rosa mencionou explicitamente que ele revogava anterior jurisprudência estabelecida pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Estando a falar perante as câmaras de televisão, e sendo ele próprio um juiz de carreira, eu vi neste detalhe uma mensagem que o juiz Ivo Rosa pretendia passar a todos os portugueses.
A seguinte:
"Vocês deixaram que a jurisprudência no país passasse a ser feita por marçanos da judicatura [do Tribunal Constitucional], e não por verdadeiros juízes-conselheiros [do Supremo Tribunal de Justiça] e agora têm aí o resultado".
A verdade, porém, é que a responsabilidade pelo estado em que se encontra a justiça não é só dos políticos, que politizaram a justiça, nem dos agentes da justiça - juízes, procuradores do Ministério Público e advogados -, que aceitaram essa politização e, em muitos casos, contribuíram alegremente para ela.
É também dos jornalistas e da comunicação social que só ao fim de quase 50 anos de democracia descobriram que uma imprensa livre serve não somente para escrutinar os poderes executivo e legislativo, mas também o poder judicial que é, aliás, o mais importante poder do Estado numa democracia.
Ainda esta semana, o jornalista José António Saraiva, no seu artigo de opinião no Nascer do Sol, depois de criticar severamente o acórdão 90/2019 do Tribunal Constitucional que determina a prescrição de todos os crimes de corrupção da Operação Marquês, pergunta assim: "Mas quem pode ter feito um aborto jurídico tão óbvio?".
Mas nunca dá a resposta.
Ora, se há alguma coisa boa no Tribunal Constitucional é o seu site (cf. aqui) que permitiria ao jornalista, com um pouco de trabalho, identificar os autores do acórdão.
São marçanos da judicatura, incluindo o actual presidente do Tribunal (cf. aqui)
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