"1. O presente Acórdão julga «inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal, os artigos 119.º, n.º 1 e 374.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na versão posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, quando interpretados no sentido de que o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa é contado a partir da data em que ocorra a entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa vantagem».
Discordo desta decisão, desde logo, por ela representar uma inflexão do entendimento de há muito pacífico na nossa jurisprudência, segundo o qual não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a correção de eventuais interpretações, tidas por erróneas, efetuadas pelos tribunais comuns, com fundamento em violação do princípio da legalidade.
Discordo ainda da decisão porque através dela o Tribunal Constitucional exorbitou a sua jurisdição, constitucionalmente definida" (cf. aqui).
É assim que a juíza Fátima Mata-Mouros (CDS) inicia o seu contundente voto de vencida no acórdão 90/2019 do Tribunal Constitucional subscrito pelos seus colegas Cláudio Monteiro (relator, PS), José Teles Pereira (PSD) e João Caupers (PS).
Este é o acórdão invocado pelo juiz Ivo Rosa como jurisprudência do Tribunal Constitucional para efeitos de contagem do tempo de prescrição de um crime de corrupção. É este acórdão que permite considerar prescritos os crimes de corrupção atribuídos a José Sócrates, incluindo o crime de corrupção que lhe foi imputado pelo próprio juiz
Revogando a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão 90/2019 do Tribunal Constitucional estabelece que o início da contagem do prazo de prescrição ocorre, não no momento em que é recebido o benefício resultante do acto corrupto, mas no momento em que ele é prometido.
Por exemplo, em 2014 um funcionário público aceita fazer uns favores a uma empresa privada a troco de luvas. As luvas começam a ser pagas em 2016. Nos termos do acórdão, o prazo de prescrição do crime de corrupção conta-se a partir de 2014 e não de 2016.
Este acórdão ilustra plenamente algumas das críticas que fiz ao Tribunal Constitucional numa série de posts que escrevi neste blogue há pouco tempo (cf. aqui e anteriores).
Juízes conselheiros. São quatro os "juízes conselheiros" do Tribunal Constitucional que assinam o acórdão. A verdade, porém, é que nenhum deles é juiz conselheiro, senão no nome (cf. aqui). Dois deles, Cláudio Monteiro e João Caupers nem sequer são juízes, mas simples militantes partidários. Os outros dois são, de factos, juízes, mas não juízes conselheiros (a categoria mais alta da judicatura e que pertence aos juízes do Supremo), mas simples juízes desembargadores (i.e., juízes dos Tribunais da Relação).
Supremo Tribunal. O Supremo Tribunal de Justiça deixa de ser o Supremo Tribunal do país, e esse lugar é usurpado pelo Tribunal Constitucional. O acórdão 90/2019 do TC revoga uma decisão do STJ, quatro juízes (dois dos quais nem sequer são juízes e os outros dois são juízes de tribunais inferiores) revogam uma decisão de verdadeiros juízes conselheiros, como são os juízes do STJ. Este é um dos aspectos do acórdão contra o qual protesta a juíza Fátima Mata Mouros de forma veemente.
Politização da justiça. Como os juízes do TC são de nomeação política, o TC é um tribunal político e a decisão do TC é uma decisão política que se sobrepõe à decisão do STJ, que é um tribunal judicial e cujas decisões são guiadas por critérios judiciais. A conclusão é inevitável. A justiça não é independente do poder político, como deveria ser numa democracia. Em Portugal, é o poder político que se sobrepõe à justiça.
Corrupção da justiça. O acórdão foi aprovado com dois votos decisivos de juízes do TC que, não só não são juízes, como são ambos militantes do PS e foram nomeados para o TC pelo PS. Como o acórdão é de 2019, estando o processo Marquês já a correr há muito tempo, fica-se na dúvida se os "juízes" Cláudio Monteiro e João Caupers não o terão aprovado para safar o seu camarada de partido José Sócrates, como veio a acontecer.
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